Em agosto completou 11 anos a sanção da Lei 11.340/2006, denominada Lei Maria da Penha, que tornou-se uma grande referência em nível nacional e internacional. Em seus 45 artigos específicos, a Lei Maria da Penha inclui todos os itens da Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra a Mulher nas áreas de prevenção, atendimento, combate e garantia de direitos. Por isso, é considerada como uma das Leis mais completas do planeta.
(Campo Grande News, 26/09/2017 – acesse na origem)
O processo de discussão e implementação da Lei Maria da Penha foi trabalhoso e exigiu esforços do conjunto do movimento de mulheres, feministas, do setor executivo e do sistema judiciário, em um período com poucos militantes da causa. Os avanços são muitos e já descritos em inúmeros artigos, livros, revelados em entrevistas por muitas especialistas.
A Lei introduz avanços no Sistema de Justiça, com a criação dos Juizados Especializados de Violência Doméstica e Familiar, Promotorias da Mulher e Defensorias Públicas da Mulher, além das medidas protetivas de urgência que salvaram milhares de vidas de mulheres nesses anos.
Segundo pesquisa realizada pelo Instituto Patricia Galvão e Data Popular em 2013 a Lei Maria da Penha é conhecida por 98% da população brasileira, e considerando a margem de erro na pesquisa de 3% para cima ou para baixo, há uma grande possibilidade de 100% da sociedade conhecer a lei. Sem entrar no mérito do conteúdo, todos (as) sabem que ela existe e que seu objetivo é enfrentar a violência contra a mulher.
Outro ponto que pesquisa mostrou é a percepção da violência contra a mulher: 88% da população acredita que bater em mulher deve ser crime, 58% das mulheres dizem que não se separam por medo de serem assassinadas. Tal diagnóstico desse Instituto apresenta uma alteração no olhar da população brasileira frente à violência contra a mulher.
Parte do sucesso da Lei Maria da Penha em sua complexidade é a atribuição de responsabilidades a todas as instituições brasileiras e à sociedade expressa em seu artigo 8º em que estabelece que “A política pública que visa coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher far-se- á por meio de um conjunto articulado de ações da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios e de ações não-governamentais, tendo por diretrizes”.
Entre as nove diretrizes estabelecidas pela Lei Maria da Penha, cabe destacar duas como essenciais:o inciso I, onde consta que a integração operacional do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública com as áreas de segurança pública, assistência social, saúde, educação, trabalho e habitação;e o inciso VI, a Celebração de convênios, protocolos, ajustes, termos ou outros instrumento de promoção de parceria entre os órgãos governamentais e ou entre estes entidades não governamentais, tendo como objetivo a implementação de programas de erradicação da violência doméstica e familiar contra a mulher”. (Lei Maria da Penha,2006 pág.,18)
A Lei avança em suas disposições finais estabelecendo atribuições bem especificas ao executivo, seja estadual ou municipal, entre elas o “de criar e promover, no limite de suas competências” serviços especializados tais como Centros de Atendimento integral, casas-abrigo, delegacias e defensorias, centros de perícia médico-legal especializados. E, para além da criação, estabelece em seu art. 39 que “A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, no limite de suas competências nos termos das respectivas leis de diretrizes orçamentárias, poderão estabelecer dotações orçamentárias especificas, em cada exercício financeiro, para a implementação das medidas estabelecidas nesta lei”.
Portanto, peço licença às minhas parceiras e parceiros de implementação da Lei, para discutir além dos óbvios avanços desses 11 anos de legislação, principalmente quanto aos investimentos realizados na implementação da mesma desde 2007.
Após um ano da sanção da Lei Maria da Penha, o então Presidente Luís Inácio Lula da Silva, lançou na II Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres, o Pacto Nacional de Enfrentamento a Violência contra a Mulher, que estabeleceu uma estratégia de gestão aos estados e municípios.
Anunciou também o aumento do orçamento do Programa de Enfrentamento a Violência Contra a Mulher, que cresceu anualmente até chegarmos em 2013.
Já no governo da presidenta Dilma Rousseff, foi criado o “Programa Mulher Viver Sem Violência” que recebeu cerca de R$365.000,00 (trezentos e sessenta e cinco milhões de reais) de investimento para sua execução. A principal ação e que demandou maior recurso foi a implantação das Casas da Mulher Brasileira – CMB, orçadas em R$9.000,00 (nove milhões de reais) para a sua construção,sendo destinado para a manutenção da infraestrutura e serviços o valor entre R$7.000,00 (sete milhões de reais) e R$10.000,00(dez milhões), dependendo dos valores praticados pelo mercado em cada Estado. Ao todo, em média, foram R$16.000,00 (dezesseis milhões de reais) de investimento em cada Casa da Mulher Brasileira. No entanto, tratando-se de construção civil, esse valor não era muito atrativo para grandes empresas, o que levou por diversas vezes as licitações a não terem interessados. Todavia, para a política de enfrentamento a violência contra as mulheres, constituiu-se no maior orçamento aplicado durante décadas da luta das mulheres pelo fim da violência contra a mulher.
A partir do impedimento da Presidenta Dilma em 2016, a nova gestão federal propôs no orçamento de 2017 da Política de Enfrentamento a Violência contra a Mulher o montante de R$ 96.543.174,00 (noventa milhões quinhentos quarenta e três mil centos setenta quatro reais) aprovado pelo Congresso Nacional.
Considerando estes números, imediatamente surge a pergunta se é possível em Países com dimensões continentais como o nosso, realidades sócio econômicas, culturais e regionais diversas, constituir uma política de abrangência nacional que atinge 52% da população com apenas noventa e seis milhões de reais?
Em sua investigação quanto ao enfrentamento a violência contra a mulher, a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito – CPMI em 2013, percorreu 17 Estados e analisou 27 relatórios encaminhados pelas Unidades da Federação. Uma de suas constatações foi que as políticas implementadas dos estados e municípios se deram com recursos do Governo Federal e com baixíssimo investimento próprio, seja financeiro ou político, para com as políticas para as mulheres.
Portanto, no Relatório Final da CPMI em sua recomendação 42 concluiu que cabe ao Governo Federal, mais precisamente ao “Ministério do Planejamento e Gestão para que observe a necessidade de ampliação do orçamento para o enfrentamento a violência contra a mulher, a fim de assegurar o cumprimento das metas e objetivo do Pacto Nacional de Enfrentamento a Violência Contra a mulher. ” (Relatório Comissão Mista de Inquérito, junho 2013 pág. 1041).
Aos Governos Estaduais e Municipais coube a Recomendação 57. “Para que tomem providências para a criação de Secretarias da Mulher com autonomia administrativa e financeira, para que a política de enfrentamento a violência contra as mulheres seja implementada de modo transversal” (Relatório CPMI junho 2013, pág.1043).
O óbvio tem nos colocado às vezes em um lugar de comodidade de avanços, (aqui sem negar nenhum dos avanços até então conquistados) porém, não colabora com questões fundamentais como: qual é o investimento financeiro que os governos têm realizado no enfrentamento a violência contra as mulheres?
Não basta o discurso inflamado em casos polêmicos que vemos todos os dias na grande mídia e nas redes sociais. A realidade é que os Governos Federal, Estaduais e Municipais rebaixaram os seus organismos de políticas para as mulheres, não colocam em sua Lei de Diretrizes Orçamentários –LDO nenhuma proposta de recurso ou ação e invisibilizam as políticas públicas para as mulheres, tornando-as universais e não específicas.
A realidade é que, por mais que nossas vozes gritem, que a violência contra as mulheres ganha dimensão maior quando acontece dentro de um transporte público ou quando acontecem os estupros coletivos, o aumento da crueldade e brutalidade se amplia. Nossas autoridades ainda não enxergam ou não querem enxergar.
Por que o óbvio é que sem Secretárias de Políticas para as Mulheres fortes e sem recursos financeiros não há como enfrentar a violência contra as mulheres e implementar a Lei Maria da Penha de maneira integral. Estamos no período de apresentação pelo Governo Federal e discussão pelo Congresso Nacional do orçamento 2018. Está estabelecido o desafio, teremos recursos para implementação de políticas públicas para enfrentar de fato a violência contra a mulher ou vamos nos contentar em contar as vidas interrompidas pela irresponsabilidade e o descumprimento da Lei?
Aparecida Gonçalves é diretora da Xaraés Consultoria e Projetos