Há 11 anos, a Lei Maria da Penha está em vigor no Brasil. Reconhecida pela ONU como uma das três melhores legislações do mundo no enfrentamento à violência contra as mulheres, ela é vista por juristas como uma “ação afirmativa”. É assim quando uma medida surge para tentar combater desigualdades acumuladas por anos na sociedade.
(UOL, 15/10/2017 – acesse no site de origem)
No caso da Maria da Penha, foi criada a partir do reconhecimento de que as relações domésticas entre homens e mulheres no país são permeadas por abuso. “Havia necessidade de uma lei que quebrasse o ciclo desse tipo de violência que tanto afeta as brasileiras”, diz Júlia Drummond, advogada e Mestranda em direitos humanos pela USP (Universidade de São Paulo).
“Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social”, diz o artigo 2º da lei.
De ofensa à pornô de vingança: o que a lei pune
Um soco na cara, um empurrão, um tiro, facadas: esses são exemplos, inclusive comuns, diz Júlia, da violência física que a lei abarca. No entanto, “qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal”, deve ser considerada.
Xingamentos; olhar o seu celular sem autorização ou te chantagear para que deixe ver o celular; controlar os lugares aonde você vai e com quem vai: esses são exemplos de violência psicológica. Porém, “qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação”, conta.
Estupro marital (o que acontece dentro do casamento); tirar a camisinha sem que você perceba; mentir sobre o coito interrompido; forçar o aborto ou impedir que você tome decisões sobre a própria gravidez caracterizam violência sexual. No mais, “qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos”, também.
Esconder sua carteira de trabalho; reter seu salário ou usar o seu cartão sem autorização: tudo isso é entendido como violência patrimonial. “Qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades”, também.
Pornô de vingança ou gritar com você no meio da rua: os dois são exemplos de violência moral, mas “qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria” também são.
Sobre o agressor
A violência não precisa partir necessariamente do marido para se enquadrar na lei. Pode vir de companheiras mulheres ou outros membros da família, como irmãos ou até mesmo a mãe.
A Maria da Penha amplia e agiliza a proteção dada pelo Estado a vítimas de violência doméstica. Prevê, por exemplo, que, em até 48 horas, o juiz determine o afastamento do agressor do domicílio e determine distância mínima da vítima.
Por que só protege mulheres?
Porque tenta combater o grande número de casos de violência contra elas. A cada hora, 503 brasileiras sofreram alguma agressão física em 2016, segundo pesquisa do instituto Datafolha encomendada pelo Fórum de Segurança Pública.
Travestis e Transexuais
De acordo com o Conselho Nacional de Justiça, a Lei Maria da Penha não pode ser aplicada a favor de homens. Ela tem servido, contudo, de inspiração para juízes que têm determinado medidas de proteção similares a homens agredidos. Houve ainda decisões que beneficiaram travestis e transexuais que se identificam com o gênero feminino. E mais: um projeto apresentado no Senado pretende incluir proteção a mulheres transexuais. O PLS 191/2017, do senador Jorge Viana, propõe que a lei não diferencie a identidade de gênero da vítima de violência doméstica.
A origem do nome
A farmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes dormia quando seu marido na época, o professor colombiano Marco Antonio Heredia Viveiros, atirou em suas costas. A mulher que deu nome à lei acabou paraplégica depois de seguidas tentativas de assassinato do companheiro com quem viveu por 23 anos.
O ex-marido de Maria da Penha só recebeu punição pelos crimes que cometeu depois de 19 anos de julgamento. A indignação de vítima diante da punição branda do marido levou-a a denunciar o caso à Corte Interamericana de Direitos Humanos, que condenou o Brasil a criar uma lei mais rígida para casos de violência doméstica.
Natacha Cortêz