Clara Araújo coordena o núcleo de estudos sobre desigualdade e relações da Universidade Estadual do Rio de Janeiro
(Pioneiro, 29/10/2017 – acesse no site de origem)
Há quem diga que as mulheres não participam da política simplesmente porque não querem. Nesta entrevista, a socióloga e pesquisadora do Instituto de Ciências Sociais da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) e coordenadora do núcleo de estudos sobre desigualdade e relações da Uerj, Clara Araújo, responde essas e outras questões sobre o tema. Confira:
Pioneiro: Por que as mulheres, maioria da população e do eleitorado, são minoria nos Executivos e Legislativos?
Clara Araújo: Nós temos um primeiro aspecto que não é um fato só do Brasil, mas do mundo, sobretudo no mundo ocidental, marcado pela exclusão, que é uma exclusão que ocorre inclusive como veto da proibição da participação das mulheres quando se criam as instituições políticas modernas de representação. Você tem desde o início uma desigualdade de base na medida em que as mulheres eram proibidas de participar. Há um conceito do que é a representação que as mulheres não respondiam atributos. Segundo, isso gera um déficit histórico não só numérico, mas em termos de atributos, percepções simbólicas com efeitos sobre a população e sobre as mulheres também. O terceiro elemento é a relação entre as condições de participação das pessoas, sobretudo das mulheres no espaço público e sobretudo na política e ao que a gente chama da divisão sexual do trabalho, dos encargos domésticos, da dupla jornada ou tripla relacionada com o tempo. Ao lado do tempo para atividades na esfera pública, temos os recursos, sejam eles econômicos, de redes, é como se tivéssemos um conjunto de elementos entrelaçados. O quarto diz respeito ao fato de que o próprio desencanto que se vivencia no caso do Brasil é desestimulante para quem está fora da política.
A política de cotas é eficaz?
Do ponto de vista normativo, da legislação, sim. Era ineficiente no início, mas a história da política de cotas é de aperfeiçoamento da legislação e isso, a partir de experiências positivas de outros países. Nossa lei, inicialmente, era muito fraca do ponto de vista das sanções, mas depois foi sendo aperfeiçoada. O que ocorre é que temos um sistema partidário que torna essa lei inócua, porque o sistema eleitoral do Brasil é de voto individual e é mais que provado que as cotas funcionam onde há voto em lista fechada, porque há uma ordenação e não há uma competição intrapartidária entre candidatos, então, diria que a lei é boa, mas inócua.
Mulher não quer estar na política ou não querem que ela esteja?
Não há evidências de que pelo fato de ser mulher a mulher não quer estar na política, não só em relação a estudo no Brasil como em outros lugares. O que ocorre é que muitas mulheres ou uma parte das mulheres faz um cálculo do custo-benefício, né, quais são as condições que tenho de concorrer e quais as condições do ponto de vista de requisitos, como tempo, apoio, então, isso leva, sim, uma parte acha que não tem condições. Não é porque elas são apolíticas. Muito se estudou sobre isso e já se constatou que não existe esse apoliticismo. O que acontece é que há uma espécie de reprodução, um certo movimento de inércia. As condições são mais adversas, as chances de quem já está são maiores, então isso opera como fatores inibidores, mas não como um elemento estruturante do fato de ser mulher e mulher não gostar de política. Isso é um mito, já foi comprovado que é mito. Se nós olharmos, inclusive, em vários outros países, que não o Brasil, vamos ver que as mulheres participam e crescem na presença política. Mais do que essa construção, a gente poderia pensar nas condições de reprodução da participação política no Brasil, que ainda são muito elitistas, são machistas no sentido, não só contra as mulheres, são certas percepções do que é ser político, e a reprodução mesmo de uma elite que historicamente é masculina.
Juliana Bevilaqua