Um resumo das notícias mais importantes sobre direitos das mulheres e universo feminista
(CartaCapital, 10/11/2017 – acesse no site de origem)
Uma das principais referências nos estudos de gênero, a filósofa Judith Butler, 61 anos, virou alvo de protestos ao visitar o Brasil. Acusada de promover a “ideologia de gênero” por grupos conservadores radicais, sua presença atraiu dezenas de pessoas para protestos contra e a favor da filósofa na terça-feira 7.
Em um dos momentos mais extremos, manifestantes portando crucifixos atearam fogo a uma boneca com o rosto de Butler, aos gritos de “queimem a bruxa!”.
Ao lado de sua esposa, a cientista política Wendy Brown, a autora de “Problemas de Gênero” (1990) também foi perseguida e agredida verbalmente por uma mulher na área de embarque do aeroporto de Congonhas, na manhã da sexta-feira 10.
Segundo a atriz/MC Danieli Lima (Dani Nega), que presenciou a situação, a agressora estava exaltada e xingava Butler em inglês e português. A mulher também proferiu insultos racistas contra Danieli, que fez questão de registrar boletim de ocorrência na própria delegacia do aeroporto.
Apesar das polêmicas, Judith Butler passou longe de questões de gênero ou de teoria queer e focou suas falas no conflito entre Israel e a Palestina, um dos temas nos quais a autora tem se centrado nos últimos anos. Na segunda 6, Butler finalizou sua conferência de maneira irônica: “E essa não foi a palestra sobre gênero que tanto queriam proibir”.
Em entrevista à CartaCapital, Butler especulou que o porquê do termo “gênero” inspirar tanta desconfiança e desentendimento. “O ataque ao gênero provavelmente emerge do medo a respeito de mudanças na família, no papel da mulher, na questão do aborto e das tecnologias para reprodução, direitos LGBTs e casamento homoafetivo”, elenca.
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Joanna Burigo: “Os estudos de gênero não negam nem demonizam a cis-heterossexualidade (onde cis é o oposto de trans), não se opõem ao direito de “meninos serem meninos” e “meninas serem meninas”, nem refutam a biologia, como pensam seus detratores. Os estudos de gênero simplesmente exploram perspectivas socioculturais sobre sexualidade e identidade, para além da fisiologia dos corpos e da naturalização do binário”
Magali do Nascimento Cunha: “O grande perigo do fanatismo está na certeza absoluta e incontestável que essas pessoas têm a respeito das verdades que um dia lhe foram reveladas (portanto, não uma verdade qualquer, mas “A” verdade). Fanáticos não agem com a razão quando defrontados com posições diferentes ou questionamentos daquilo que defendem. Ao contrário, têm como marca a irracionalidade, o autoritarismo e a passionalidade, frequentemente agressiva, em que o fim, qualquer que seja, justifica os meios”
Queimem a bruxa
Lançado recentemente no Brasil pela editora Elefante, o livro O Calibã e a Bruxa – Mulheres, Corpo e Acumulação Primitiva, da historiadora italiana Silvia Federici, investiga o que aconteceu com as mulheres ao longo da gradual instalação do capitalismo na Europa.
O livro, fruto de 30 anos de pesquisas, localiza a caça às bruxas como uma ferramenta para controlar o corpo e a sexualidade das mulheres e, consequentemente, quebrar a resistência feminina às mudanças e desarticular as redes de solidariedade nas comunidades. Assim, para ela, a subjugação das mulheres foi essencial para o sucesso da instalação do capitalismo.
O mais assustador é a constatação da própria Federici de que a caça às bruxas, definitivamente, não pertence ao passado.
11 tiros no rosto: o feminicídio de Raphaella
Onze tiros no rosto dentro da sala de aula. Foi assim que a adolescente Raphaella Noviske, 16 anos, foi assassinada na cidade de Alexânia, no interior de Goiás. O feminicídio – um dos muitos registrados em 2017 – foi cometido por Misael Pereira Olair, de 19 anos.
A motivação?
Raphaella não teria correspondido aos avanços de Misael. Revoltado, o jovem juntou 2,3 mil reais, obteve uma arma calibre 32 e munição e pulou o muro da escola. Segundo a delegada responsável pelo caso, o crime será enquadrado como feminicídio, isto é, o assassinato de mulheres pela sua condição de mulher. Mais de 2 mil pessoas acompanharam o velório da estudante.
Embora casos como o de Raphaella ainda sejam epidêmicos e a questão da violência extrema contra a mulher continue urgente, está em análise na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal uma sugestão popular que deseja eliminar o termo feminicídio do Código Penal.
O projeto foi para análise após reunir 26 mil assinaturas – basta 20 mil para que a questão seja debatida entre os senadores. Relatora do caso e presidente da Comissão de Direitos Humanos, a senadora Regina Sousa (PT-PI) lamentou: “É uma conquista tão nova e recente que não tem porque a gente retroceder”. Ela não acredita, porém, que o tema avançará na Casa.
18 homens contra a possibilidade do aborto
Dezoito deputados federais – todos homens e quase todos ligados à bancada religiosa – deram o primeiro passo para restringir definitivamente a possibilidade do aborto no Brasil. Por 18 votos a um (da deputada Érika Kokay), os parlamentares deram aval para que a PEC 181/2015 siga para o plenário da Câmara, onde precisará do apoio de 308 deputados.
E bradaram, comemorando: “Vida sim, aborto não!”.
A votação se deu na quarta 8, em uma comissão especial criada na Câmara dos Deputados só para analisar a PEC. De autoria do senador Aécio Neves, a proposta tinha inicialmente o que parecia uma boa intenção: ampliar a licença-maternidade de mães de bebês prematuros.
O texto, porém, foi alterado para incluir a palavra “concepção” no texto que altera dois artigos da Constituição e definir que a vida começa ainda no ventre da mãe – posição-chave para aqueles contrários ao aborto como um direito sexual e reprodutivo da mulher.
Caso tal definição seja inserida no texto constitucional, o aborto será criminalizado em todos os casos, inclusive aqueles em que o procedimento hoje é permitido, como estupro ou risco de morte para a mãe.
As estatísticas, captadas na Pesquisa Nacional de Aborto – 2016, revelam uma realidade muitas vezes subterrânea e silenciosa, mais presente do que se imagina.
“A mulher que aborta está dentro da nossa família e na nossa vizinhança. Ela não é uma fantasia criada pelo debate moral”, afirma a antropóloga Debora Diniz, uma das autoras do estudo e professora de Bioética na Universidade de Brasília.
Em resposta, atos a favor da descriminalização da interrupção da gravidez e de repúdio contra a decisão dos políticos foram convocados para a próxima semana em São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Florianópolis, Curitiba, Fortaleza e Belém.
Tory Oliveira