Num projeto que trata da extensão do prazo de licença-maternidade para mães de prematuros, foi embutido texto que proíbe o aborto mesmo nos casos previstos em lei
Delineia-se no Congresso Nacional uma manobra que representa um risco para a saúde da mulher. O texto-base da Proposta de Emenda à Constituição 181, que proíbe todos os tipos de aborto, mesmo os amparados pela lei, foi aprovado, no dia 8 de novembro, em comissão especial da Câmara dos Deputados. E a votação dos destaques deve ser concluída nos próximos dias. Na verdade, o tema central da PEC é a extensão do prazo de licença-maternidade (de 120 para até 240 dias) às mães de prematuros, mas a polêmica ganhou forma porque ela estabelece que a vida começa já no momento da concepção. Entende-se que o projeto, do jeito que está, leva à criminalização total do aborto no país. O que representaria um recuo na atual legislação.
Hoje o aborto é permitido em casos de estupro; se há risco para a gestante e quando o feto é diagnosticado com anencefalia — este último, a partir de 2012, por decisão proferida em julgamento de uma ação pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
O texto-base foi aprovado por 18 votos a um, recebendo apoio maciço da bancada evangélica, que ocupa mais de 20 das 33 cadeiras da comissão especial. A decisão deflagrou uma guerra entre parlamentares mulheres e membros da comissão. Para a deputada Erika Kokay (PT-DF), única a votar contra, a frase embutida na proposta — já apelidada de PEC Cavalo de Troia — representa uma fraude. “E digo fraude porque se utilizaram de uma proposta meritória, fundamental, para poder introduzir a retirada de direitos das próprias mulheres”.
Não deixa de ser contraditório que, ao participar de um evento internacional no Chile, no dia 8, o governo brasileiro tenha enfatizado sua posição sobre aborto, ressaltando o fato de o Sistema Único de Saúde (SUS) atender aos casos previstos em lei, como mostrou reportagem do GLOBO. Marise Nogueira, chefe da Divisão de Temas Sociais do Itamaraty, disse que a mudança na legislação contraria compromissos internacionais assumidos pelo país.
Enquanto o projeto avança no Congresso, crescem nas ruas os protestos de movimentos de mulheres. No último dia 13, foram registradas manifestações contra a PEC 181 em pelo menos 30 cidades do país. Mesmo no Congresso, o assunto gera polêmica. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, já escreveu em sua rede social que a proposta não entrará em pauta se proibir o aborto em casos de estupro, um crime hediondo.
É preciso ficar claro que o aborto é uma questão de saúde pública. Estima-se que a cada dois dias uma mulher morre no país, vítima de aborto clandestino. Não se pode ignorar essa realidade. Trata-se de um problema que precisa ser discutido racionalmente pela sociedade. Nesse sentido, as mudanças previstas pela confusa PEC 181 são um retrocesso desastroso, para a saúde pública, para as mulheres e para o país.