O Superior Tribunal de Justiça decidiu revogar o pagamento da pensão alimentícia que um homem fazia à ex-esposa. No texto, a Terceira Turma do STJ afirma que o “fim de uma relação amorosa deve estimular a independência de vidas”. A mudança de condição financeira da parceira e o fato de ela ter iniciado uma nova relação afetiva serviram como justificativas para a suspensão.
Como o processo corre em segredo de Justiça, não há muitos detalhes divulgados sobre os envolvidos na ação. Segundo as informações fornecidas no site do STJ e na página do órgão no Facebook, o homem foi obrigado a pagar, há 10 anos, o valor mensal de 4,7 salários mínimos, após o fim do relacionamento.
Três desses salários eram pagos em dinheiro e 1,7 salário mínimo correspondia à metade do valor do aluguel do imóvel utilizado pela mulher. O ex-marido recorreu da decisão e a pensão foi revogada.
A publicação da decisão na rede social dividiu a opinião de internautas. “Ex-mulher não é profissão e ex-marido não é previdência social”, escreveu um seguidor da página. “Seria justo se as mulheres ganhassem o mesmo salário que os homens”, rebateu outra.
Para a advogada de família Thayná Yaredy, há pouca informação para que o público possa entender em que cenário a mulher teve o pedido de pensão acolhido anteriormente. “A decisão (da extinção da pensão) leva em consideração o tempo de recebimento dos valores, para verificar se a ex-cônjuge detém a possibilidade de se custear. Também deveria ser levado em consideração, no entanto, o fato de ela, até a presente data, não ter recebido seu quinhão da partilha de bens, fato que nos remete a observar a falta de acesso dela a bens e direitos”, explica.
Ou seja, sem acesso à sua parte na divisão de bens, é possível que a ex ainda tenha dificuldade de reorganizar suas finanças. O STJ entende que a pensão alimentícia entre ex-cônjuges é válida em caso de invalidez ou quando há impossibilidade de o beneficiário trabalhar.
Em sua decisão, o relator do processo, o ministro Villas Bôas Cueva, defendeu que a pensão à ex-cônjuge deve ser paga apenas para assegurar o tempo hábil para sua “inserção, recolocação ou progressão no mercado de trabalho, que lhe possibilite manter, pelas próprias forças, status social similar ao período do relacionamento. No caso dos autos, pode-se conferir a plena capacidade da recorrente para trabalhar, tanto que se encontra empregada, atual realidade da vida moderna. Assim, impõe-se a exoneração gradual da obrigação alimentar”.
Para Thayná, a publicação do STJ no Facebook (veja acima) é tendenciosa. “Aqui, entendo ver um discurso político que dá a entender que somente homens pagam pensão às ex-companheiras, o que não é verdade, pois ambos detêm obrigação alimentar entre si”.
Ela ainda aponta outra questão importante: o fato de a mulher trabalhar não indica, necessariamente, que ela seja totalmente capaz de se manter. Além disso, segundo Thayná, é possível que o fato de a mulher estar em um novo relacionamento tenha pesado na decisão.
Qual é o status desta relação, no entanto, é o que dita se a pensão pode ou não ser suspensa: namoros, de acordo com o artigo 1.708 do Código Civil, não são critério para a exoneração do benefício. Já um novo casamento ou uma união estável podem ser levados em consideração para eliminar o compromisso do ex com os pagamentos.
A advogada ressalta que a obrigação do ex-cônjuge manter o outro, em caso de necessidade, não significa apenas arcar com gastos básicos, mas também manter o padrão de vida que ambos levavam ao final da relação.
“Até onde, dentro de todo o contexto social pátrio, podemos dizer que uma separação deve ser economicamente emancipatória para uma das partes quando a outra ainda permanece na posse dos bens do casal? Até que ponto um namorado, sem provas de convivência pode ser considerado fato imprescindível para extinção de uma obrigação?”, questiona Thayná. “No cenário político e de violência em que vivemos atualmente, acredito que seja imprescindível o cuidado na construção de notícias e disseminação de ‘exemplos’ para nossa sociedade”.
O ministro Cueva, em sua decisão, indica que há a possibilidade da ex-mulher formular um novo pedido de pensão alimentícia direcionado a seus familiares, uma vez que “o ordenamento pátrio prevê o dever de solidariedade alimentar decorrente do parentesco (artigos 1.694 e 1.695 do Código Civil)”.
O que muda para você
A própria divulgação de uma decisão como esta através da mídia e das redes sociais provoca um impacto na sociedade, acredita Thayná. “A decisão joga no imaginário coletivo a ideia de que o alimentante deve desistir de requerer a pensão ou não deve trabalhar”.
Já para a advogada Tainã Góis, membra da Rede Feminista de Juristas, o impacto da decisão é também social, já que uma das razões para a decisão foi o fato de que a mulher havia entrado em uma nova relação — o que transferiria sua tutela financeira para o novo parceiro.
“Há o entendimento de que devemos tratar homens e mulheres com igualdade, que as mulheres têm que ter autonomia financeira por causa da divisão de tarefas e da existência de um trabalho [doméstico] não remunerado. Entender agora que, se esta mulher tem uma outra relação matrimonial, ela não merece mais este benefício, apesar de não ter conseguido autonomia financeira, é um retrocesso machista”.
A advogada cível Natalia Takeno Camargo ainda lembra três outras decisões de suspensão da pensão em 2016. “Este entendimento não é o primeiro nesse sentindo. Já faz algum tempo que a jurisprudência, inclusive do STJ, tem restringido alimentos a ex-cônjuge”.
De acordo com ela, todos os casos — inclusive este divulgado pelo STJ ontem — abrem precedentes legais para que outros juízes optem pela exoneração do pagamento no futuro. Porém, estas são decisões que serão tomadas analisando a situação de cada ex-casal.
Denise de Almeida. Colaborou Amanda Serra