Quando denúncias de assédio ganham o noticiário, brotam comentários como “o mundo está muito chato” e “agora, não pode nem elogiar”. A verdade é que, para a primeira reclamação cabe a explicação de que o mundo está mais complexo. Alguns comentários que serviam para reforçar opressão já não são mais aceitos. Já para a segunda, especialistas e ativistas fazem questão de dizer que existe uma diferença tênue, mas, ainda assim, clara entre assédio e elogio.
(UOL, 04/12/2017 – acesse no site de origem)
Segundo Thaís Nunes, jornalista e cofundadora do coletivo “Jornalistas Contra o Assédio”, a diferença básica é o constrangimento que o comentário provoca em quem o recebe. Maria Paula Panuncio Pinto, professora da Faculdade de Medicina e presidente da Comissão de Violência de Gênero da USP Ribeirão, acrescenta: “O flerte deixa de ser algo normal quando ultrapassa o limite imposto pelo outro. Assédio são comentários com apelo sexual indesejado”.
Na rua e no trabalho
As duas fazem questão de ressaltar ainda que a cantada sempre fez e continuará fazendo parte das relações humanas. “O problema é quando ela expressa uma relação de poder, com o intuito de constranger a mulher”, explica Thaís. “O assédio, diferentemente do elogio, tende a ter como característica também a questão de ser praticado apenas por uma das partes.”
Isso fica tão claro nas ruas, diz, onde mulheres são diariamente assediadas, quanto em ambientes corporativos, onde superiores fazem convites ou esboçam insinuações inapropriadas ao contexto do trabalho. “E ele se torna ainda mais agressivo quando recorrente”, explica a ativista. “Em um escritório, para que serviria um comentário sobre a beleza de uma subordinada, afinal? Isso só gera desconforto e insegurança.”
Segundo o artigo 216-A do Código Penal, “constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função” configura crime de assédio sexual. E a pena varia de 1 a 2 anos de detenção.
Chega de fiu fiu
Para além dos comentários indesejados, Thaís cita ainda o famoso “fiu fiu”. “Quantas vezes um homem quis uma resposta positiva para o seu assovio? Quantas vezes a mulher agradeceu a um?”, pergunta. “Ao agir assim, ele está tratando o corpo feminino como um objeto público, é um exemplo de controle. Mesmo sem conhecer sua vítima e ainda que seja constrangedor, ele parte do princípio que tem o direito de expressar sua opinião sobre ela”, conta.
Um levantamento realizado pelo coletivo feminista “Think Olga” com 7.762 mulheres constatou que 99,6% delas já foram assediadas. Cerca de 98% das entrevistadas relataram que a cantada ocorreu na rua, e 64%, no transporte público. Para 83%, a situação foi desagradável.
Investidas verbais agressivas são tipificadas como crime de importunação ofensiva ao pudor pela Constituição. Em caso de condenação, os autores são multados. “Já demonstrar interesse e elogiar a beleza do outro de maneira respeitosa, assim como trocar olhares e sorrisos, continua sendo delicioso. Não estamos decretando o fim da paquera de maneira alguma”, explica Maria Paula.
Precisamos falar de consentimento
Entender o significado claro e objetivo que está por trás de um “não” e de um “sim” é também, segundo as especialistas, fundamental para que o assédio perca espaço na sociedade. “Existe um grave mito de que se ela diz “não”, no fundo, está querendo dizer “sim”. E, portanto, a investida, que gira em torno dos interesses sexuais dos homens, poderia continuar. Isso precisa acabar”, afirma a professora. Por isso, ela aconselha que cada vez mais as mulheres sejam assertivas em suas reações. “O assédio não pode continuar sendo algo natural.”
Daniela Carasco