Local é um dos países onde teve uma maior reação ao caso Weinstein
(El País, 24/12/2017 – acesse no site de origem)
Junto aos Estados Unidos, a França é um dos países onde o escândalo do produtor Harvey Weinstein teve maior repercussão. Uma avalanche de denúncias no mundo do espetáculo, da política ou da cultura levou o Governo de Emmanuel Macron, que proclamou a igualdade entre mulheres e homens a “grande causa” de seu mandato, a anunciar uma resposta contundente.
A reação não é somente vertical. As denúncias de violência sexual aumentaram 30% em outubro em relação ao ano passado, de acordo com dados da polícia. Além disso, sob uma hashtag paralela ao #MeToo internacional, o francesíssimo #Balancetonporc (denuncie teu porco), milhares de mulheres denunciaram casos de assédio nas redes sociais e na rua. Alguns já chegaram à Justiça, como as duas queixas de estupro contra o islamólogo Tariq Ramadan. Neste mês começou o julgamento de Georges Tron, ex-secretário de Estado e prefeito de uma cidade ao sul de Paris, também acusado pela violação de duas de suas ex-funcionárias municipais. Um ex-dirigente da juventude socialista também foi acusado de agressão sexual por várias mulheres, enquanto o ministério público de Paris abriu pelo mesmo motivo uma investigação preliminar contra Eric Monier, ex-diretor da rede de televisão France 2. Em outubro, manifestantes boicotaram diante da Cinemateca Francesa, em Paris, uma retrospectiva da obra de Roman Polanski, que desde os anos setenta não pode entrar nos Estados Unidos para evitar uma condenação contra ele por violação de uma menor.
Mas a França também é um dos países que mais tolerou os abusos pelos quais agora se escandaliza. Porque antes de Harvey Weinstein, antes mesmo de Donald Trump, houve Dominique Strauss Kahn. Se a polícia não o tivesse retirado in extremis do avião em que estava, tentando retornar à França, para prendê-lo por ter estuprado uma funcionária do hotel de Nova York em 2011, o então diretor-geral do Fundo Monetário Internacional (FMI) provavelmente teria se tornado presidente da França Um país onde seus excessos com mulheres sempre foram conhecidos, mas que os varreu para debaixo do tapete até que já não havia mais como escondê-los. Por fim, também na França, ele foi acusado de proxenetismo e, embora tenha sido absolvido, sua agressividade em relação às mulheres ficou em evidência.
A França, o país do amour, da sedução, não seria também um oásis para os predadores sexuais?
“Diante de uma denúncia, na França somos tentados a perguntar: não seria um caso de sedução?”, critica a secretária de Estado para a Igualdade entre Homens e Mulheres, Marlène Schiappa, cujo projeto de lei contra o assédio sexual na rua que estava preparando adquiriu maior relevância pela repercussão do caso Weinstein na França. “Alguns querem nos fazer crer que é algo quase inscrito no patrimônio cultural francês, porque aqui haveria certo apego ao galanteio. Não somos contra a sedução ou as relações livres entre pessoas. Mas temos que definir a fronteira”, disse em uma entrevista a este jornal e outros da Aliança Europeia de Jornais Líderes (LENA na sigla em inglês). “Toda mulher deve ter o direito de não consentir. Essa é a linha vermelha. Infelizmente, muita pedagogia ainda é necessária nesse ponto”.
Os números dão peso à sua queixa. Na França, uma mulher morre a cada três dias nas mãos do parceiro. De acordo com uma pesquisa realizada pela Defensoria de Direitos da França em 2014, uma em cada cinco mulheres (20%) declarou ter sido vítima de assédio sexual no trabalho ao longo de sua vida profissional.
E o problema também está fora do escritório.
Nesta semana, o Observatório Nacional de Crimes e Respostas Pena is revelou que pelo menos 267.000 pessoas, “essencialmente mulheres”, foram vítimas de abusos sexuais de diversos graus –de apalpamentos a relações sexuais não consentidas– no transporte público entre 2014 e 2015. Em outubro, a Fundação Jean Jaurès também mostrou que 83% das mulheres dizem temer por sua integridade física quando saem à rua de noite ou no transporte público.
Portanto, para a secretária de Estado, “é extremamente importante que a lei do país afirme preto no branco que condena o assédio nas ruas, que é proibido na França intimidar as mulheres na rua, segui-las, pedir-lhes dez vezes seu número de telefone”. A questão, afirma, vai muito além do assédio de rua. “Quando você tem 40 minutos de trajeto até o trabalho e passa esse tempo vigiando porque teme pela integridade física, você não chega serena ao trabalho. Combater o assédio sexual de rua também permite que as mulheres cheguem ao seu local de trabalho, ocupem o espaço público com serenidade e livremente, como fazem os homens”.
Silvia Ayuso