No dia 12 de janeiro, a GALILEU publicou uma entrevista com Juliana de Faria, criadora da ONG Think Olga e responsável por campanhas como “Chega de Fiu Fiu” e “Meu Primeiro Assédio”. Na conversa, a ativista falou sobre a importância da iniciativa “Time’s Up”, por meio da qual diversos artistas de Hollywood se posicionaram contra o assédio e o machismo presente na indústria cinematográfica e no mundo.
(Revista Galileu, 15/01/2018 – acesse no site de origem)
“Os homens precisam falar disso entre eles urgentemente, precisam discutir a masculinidade, discutir por que eles assediam, por que se sentem na obrigação de assediar, por que isso vem sendo sendo normalizado e precisam ensinar uns aos outros”, afirmou Faria. “Precisam também ouvir as mulheres, porque somos nós as sobreviventes da violência sexual e as vítimas.”
Na postagem da matéria na página da revista no Facebook, vários comentários criticaram o movimento feminista, a posição da ONG e até mesmo a cobertura da GALILEU do assunto. Nesses casos, os argumentos usados pelos comentaristas só reforçam a necessidade de falarmos cada vez mais sobre feminismo, assédio e consenso.
Selecionamos alguns tópicos para rebatê-los com informação. Veja abaixo:
Antes fosse na Idade na Pedra: um estudo publicado no periódico Nature em 2015 mostra que, durante o período, existiu igualdade de gênero. Pesquisadores da Universidade Pública de Londres, na Inglaterra, analisaram dados de populações e caçadores e coletores, uma do Congo e outra das Filipinas. Na segunda, as mulheres caçavam e eram responsáveis pela coleta da comida, enquanto os homens dedicavam a maior parte do tempo no cuidado dos filhos.
Já uma outra pesquisa realizada pela Universidade de Munique Ludwig-Maxilimilians, na Alemanha, afirma que as mulheres viajavam para fazer trocas e desenvolver objetos. A conclusão foi feita a partir de análises de amostras de DNA e esqueletos encontrados em Lechtal, no sul do país.
Segundo a filósofa Simone de Beauvoir, “ninguém nasce mulher: torna-se mulher”. No livro O Segundo Sexo, ela explica que “nenhum destino biológico, psíquico, econômico define a forma que a fêmea humana assume no seio da sociedade; é o conjunto da civilização que elabora esse produto intermediário entre o macho e o castrado que qualificam o feminino”. Para Beauvoir, a hierarquia entre gêneros surge a partir do capitalismo. Logo, as ideias de que as mulheres são mais fracas ou os homens agressivos por instinto são construções sociais, não biológicas.
Isso não é verdade. Muitas das atrizes e artistas que denunciaram o produtor americano Harvey Weinstein publicamente no fim de 2017 já tinham tentado fazê-lo antes. No entanto, existe todo um sistema que faz com que as mulheres, independente da classe ou status social, não se sintam confortáveis em denunciar seus abusadores.
Ao recusar as investidas de Weinstein, por exemplo, a atriz Ashley Judd, que estava em uma excelente fase na carreira, foi isolada e deixou de receber propostas para fazer bons filmes. Após assediar a também atriz Selma Blair, o diretor James Toback a ameaçou. “Tem essa mulher que decidiu me contrariar. Ela ia falar publicamente sobre algo que eu fiz. E vou te dizer, prometo que se ela falar algo para alguém, não importa quanto tempo tenha passado, vou contratar um pessoal para colocá-la em um carro, sequestrá-la e jogá-la no rio Hudson com blocos de cimento presos em seus pés. Você entende o que estou dizendo, né?”, disse ele na ocasião.
Esses são apenas alguns exemplos de como o machismo e o assédio sexual são institucionalizados na sociedade. As vítimas correm grandes riscos ao denunciarem: podem ser ridicularizadas por autoridades e colegas de trabalho, isolada de oportunidades na carreira e até machucadas fisicamente, se não forem mortas. A passagem de tempo não diminui o trauma ou a importância da denúncia. As mulheres que conseguem fazê-lo, independente de quando, são muito corajosas e colocaram tudo a perder para que outras pessoas não tivessem que passar pelo mesmo que elas. Como disse a escritora Rebecca Solnit em Os Homens Explicam Tudo para Mim, “a violência não tem uma raça, classe, religião ou nacionalidade, mas tem um gênero”.
Muitas vezes o assédio vem mascarado de “elogio”. “Todos os dias, mulheres são obrigadas a lidar com comentários de teor obsceno, olhares, intimidações, toques indesejados e importunações de teor sexual afins que se apresentam de várias formas e são entendidas pelo senso comum como elogios, brincadeiras ou características imutáveis da vida em sociedade quando, na verdade, nada disso é normal ou aceitável”, explica a ONG Think Olga na apresentação da campanha Chega de Fiu Fiu. Esse comportamento não é aceitável, independente da classe de quem o perpetua.
Em uma pesquisa realizada em 2013 pela Olga, 99,6% das entrevistadas afirmaram já terem sido assediadas, e as ocorrências fizeram com que elas se sentissem medo — de andar na rua, de frequentar determinados espaços e até de usar alguns tipos de roupa.
Existem diferentes formas de assédio: em um levantamento realizado pelo Instituto Avon em 2015 constatou que, em um primeiro momento é relativamente baixo o índice de estudantes universitárias que já sofreu assédio. Após ouvirem sobre as diferentes formas que o abuso pode tomar — como a coerção, a violência física, a desqualificação sexual e a violência sexual, por exemplo —, 67% delas reconhece já ter sofrido assédio.
Existe o mito de que o agressor é o estranho escondido no beco de uma rua escura. Não é o caso: esse tipo de violência pode ser cometida por qualquer um e como o assunto ainda não é discutido amplamente, existem muitas nuances que fazem com que muitas vezes, os homens não entendam que estão cometendo um assédio e as mulheres, que estão sofrendo uma violência. Por isso entrevistas como a que publicamos com Juliana de Faria são tão importantes.
Isabela Moreira