Medida pode ajudar a prevenir candidaturas fictícias de mulheres usadas para burlar a cota nas candidaturas
(MPF, 22/02/2018 – acesse no site de origem)
O número de candidatas que não receberam nenhum voto nas eleições de 2016 praticamente quintuplicou em relação ao pleito de 2012. Esse dado pode indicar uma tentativa de burlar a cota de 30% prevista na legislação para candidaturas proporcionais femininas. Com o intuito de mudar esse quadro, a Procuradoria-Geral Eleitoral (PGE) defende a adoção de cotas femininas na composição dos diretórios partidários, como forma de viabilizar candidaturas efetivas.
A questão deverá ser votada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ainda no primeiro semestre deste ano, em consulta formulada pela senadora Lídice da Mata (PSB/BA). A parlamentar questiona se a previsão de reserva de vagas por gênero nas candidaturas proporcionais legislativas deve ser aplicada também na composição de comissões executivas e diretórios nacionais, estaduais e municipais de partidos políticos. Ela também pergunta se o descumprimento da regra resultaria na negativa do registro de órgãos de direção partidária pela Justiça Eleitoral. Hoje, dos 34 partidos que existem no país, apenas três têm mulheres na presidência nacional.
Em parecer enviado ao TSE, o vice-procurador-geral Eleitoral, Humberto Jacques, defende que, embora a legislação brasileira não determine percentuais de participação por gênero na composição de comissões e diretórios dos partidos políticos, a inclusão de mulheres nas estruturas de tomada de decisão partidária pode ser analisada pela Justiça em casos concretos. A consulta tem relatoria da ministra Rosa Weber e já entrou por duas vezes na pauta de julgamentos da Corte, mas acabou tendo sua apreciação adiada.
Na avaliação do vice-PGE, a exigência de participação feminina nas estruturas partidárias pode contribuir para a redução de “candidaturas laranjas”, adotadas pelos partidos políticos como forma de fraudar a norma prevista no artigo 10, da Lei nº 9.504/97. O dispositivo prevê mínimo de 30% e máximo de 70% de candidatura por gênero nas eleições proporcionais legislativas. “Não está preclusa a discussão, nos casos concretos que venham a ser deduzidos em juízo – quiçá pelo próprio Ministério Público – sobre a exigibilidade de representação feminina nos órgãos de direção partidária”, defende.
O incremento da participação das mulheres nas estruturas de poder intrapartidárias, de acordo com o vice-PGE, possibilitaria o fortalecimento da legislação vigente ao fomentar ações para o ingresso de mulheres nas carreiras políticas, como iniciativas para a criação de agremiações femininas nos partidos, capacitação de mulheres para candidaturas e, sobretudo, o engajamento na temática. “A democracia partidária é elemento necessário para a democracia de um modo geral. Do mesmo modo que você assegura nos cargos eletivos externos participação feminina obrigatória, a mesma lógica deve ser aplicada internamente, é questão de coerência. O fato de você ter mulheres candidatas, sem garantir a elas espaço na vida partidária as enfraquece muito”, defende.
A pesquisa “Equidade de Gênero na Política 2016”, realizada pelo DataSenado em parceria com a Procuradoria da Mulher, com candidatos e candidatas que concorreram em eleições passadas, aponta que, para 91% dos entrevistados, o maior investimento na formação de novas lideranças femininas ajudaria a aumentar o número de mulheres eleitas. Além disso, 84% das pessoas acreditam na presença de mais mulheres nas diretorias de partidos como estratégia para aumentar a participação feminina em cargos eletivos.
Nas eleições de 2016, as mulheres responderam por 32% das candidaturas. No entanto, desse universo, 15.957 mulheres não receberam sequer um voto. Além disso, do total de vereadores eleitos, apenas 13,51% são mulheres. Para a advogada especialista em direito eleitoral Iara Cavalcante, as ações afirmativas para a participação feminina na política devem chegar às estruturas partidárias. Segundo ela, uma das maiores dificuldades para mulheres é serem ouvidas dentro do próprio partido. “A própria democracia intrapartidária bloqueia a participação feminina. As mulheres não têm voz ativa. Geralmente, elas ficam em segundo plano. Isso é fato e acredito que uma medida dessa, para sinalizar dentro do partido a participação feminina, seria mais uma forma de fomentar essa participação”, defende Iara.
Levantamento realizado pelo DataSenado com cidadãos maiores de 16 anos em todos os estados brasileiros demonstrou que a falta de apoio dos partidos é o maior entrave para a entrada das mulheres na política. Mais de 40% das entrevistadas mencionaram esse motivo, enquanto apenas 5% atribuíram aos afazeres domésticos a dificuldade de ingressar no meio político.
Candidaturas fictícias – A PGE emitiu, no fim de 2016, a Orientação nº 1/2016, elaborada pelo Grupo Executivo Nacional da Função Eleitoral (Genafe), para que procuradores e promotores eleitorais apurassem a veracidade das candidaturas de mulheres que não receberam nenhum voto nas eleições municipais de 2016. Candidaturas fictícias podem configurar crime de falsidade ideológica eleitoral, podendo resultar na cassação de mandato daqueles que se beneficiaram com a fraude. Isso porque a irregularidade pode ser uma tentativa de burlar a cota exigida pela legislação para promover o aumento da participação feminina na política.
Caso seja comprovada a fraude, além de denunciar os responsáveis pelo crime de falsidade ideológica eleitoral, os membros do MPE podem propor ação de investigação eleitoral e de impugnação do mandato eletivo contra os candidatos da legenda partidária, que se beneficiaram com a ilegalidade. A impugnação não deve se estender às mulheres eleitas, visto que a fraude não influenciou suas candidaturas. Em agosto do ano passado, o Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (TRE/SP) cassou, por unanimidade, o diploma de candidatos de uma coligação de Santa Rosa do Viterbo, na região metropolitana de Ribeirão Preto, por fraude na cota de gênero. A decisão inédita seguiu o parecer da Procuradoria Regional Eleitoral em São Paulo (PRE/SP).
O coordenador nacional do Genafe, José Jairo Gomes, explica que a orientação do grupo é no sentido de que a cota prevista em lei para as candidaturas seja efetivamente cumprida. Segundo ele, partidos que descumprem a norma devem ter indeferidos os pedidos de registro. “O Genafe tem uma posição muito radical a esse respeito, porque entende que a sociedade brasileira é uma sociedade pluralista. A mulher é maioria na sociedade, então ela precisa ter um espaço reservado para ela dentro da política”, afirma.
Mobilização – O Ministério Público Federal (MPF) promove, esta semana, uma ação nos veículos institucionais de comunicação e nas mídias sociais para marcar os 86 anos do voto feminino no Brasil, celebrado neste sábado (24). Confira abaixo os fatos marcantes da história do voto feminino no Brasil.
A iniciativa busca relembrar as conquistas e debater os desafios ainda existentes para garantir a participação efetiva das mulheres na política brasileira. A ação integra o projeto “MPF 30 Anos Cidadão”. Clique aqui para saber mais.