Laniele Silva foi baleada na cabeça em 2017 em Mauá; marido está preso e nega crime. Às vésperas do Dia Internacional da Mulher, Marlene Santos fala ao G1 sobre o caso da filha.
(G1, 07/03/2018 – acesse no site de origem)
Mais de seis meses após perder a filha, morta com um tiro na cabeça na Grande São Paulo, uma dona de casa só pensa em uma coisa nesta quinta-feira (8), quando é celebrado o Dia Internacional da Mulher. “Eu quero justiça”, afirma ao G1 Marlene Maria dos Santos, mãe de Laniele Santos Duques da Silva, encontrada morta em 23 de agosto de 2017 em Mauá, no quarto da casa onde morava com o marido e a filha pequena.
Para a mulher de 46 anos, justiça será condenar Marcelo da Silva Azevedo, seu genro, pelo assassinato de Laniele. Apesar de negar o crime, o calceteiro (que trabalha na pavimentação de calçadas) de 26 anos é acusado de feminicídio contra a balconista de 20.
Ele responde ao processo preso preventivamente. No próximo dia 27, ocorrerá a audiência de instrução do caso no Fórum de Mauá. Essa etapa serve para a Justiça decidir se ele irá ou não a júri popular pelo crime.
“Ele matou ela pelo fato de ela ser uma mulher”, reforça Marlene, sobre o feminicídio, que é uma qualificadora do homicídio doloso, no qual há a intenção de se matar.
O feminicídio foi sancionado em 2015 por uma lei federal, que transformou em hediondo o assassinato de mulher motivado justamente por sua condição de gênero, no caso o feminino.
Numa eventual condenação, por exemplo, o feminicídio acarreta um aumento da pena, que pode ser de 12 a 30 anos de prisão, a mesma do homicídio doloso por qualquer outra qualificadora. Somente no homicídio simples a pena é menor: de 6 a 20 anos de detenção.
“Eu quero que ele pague na prisão”, pede Marlene, que tem mais quatro filhos. Laniele era a caçula, trabalhava numa pizzaria e em um depósito de gás da Vila Magini, periferia da cidade.
Em sua defesa, Marcelo alegou que Laniele se matou sozinha ao brincar de roleta russa com um revólver calibre 38. Mas como a Polícia Militar não encontrou a arma do crime, o deteve enquanto ele bebia num bar da comunidade onde morava.
Posteriormente, a perícia da Polícia Técnico-Científica descartou a possibilidade de morte acidental. A vítima era destra e o tiro atingiu a têmpora esquerda.
Violência doméstica e feminicídio
Na delegacia de Mauá, Marcelo foi indiciado por feminicídio. “Ouvimos testemunhas, ouvimos parentes, e tudo indicava ter havido nesse caso realmente um feminicídio”, conta o delegado José Carlos de Melo, titular do 1º Distrito Policial de Mauá. “A violência doméstica colocando a condição do gênero de mulher, passando por uma espécie de tortura psíquica, física, que se desenrolou por algum tempo.”
Posteriormente, o Ministério Público (MP) manteve esse entendimento da polícia e o denunciou pelo crime. A Justiça aceitou a denúncia e o tornou réu no processo.
“Concluída a audiência, vai se decidir se será submetida ou não ao plenário do júri para que os jurados decidam pela condenação ou não”, diz o promotor Vinicius Bonesso Guillen sobre Marcelo, que está detido em uma unidade prisional não revelada.
O acusado estava casado havia três anos com a vítima numa relação de idas e vindas. Para a polícia, ele matou Laniele porque não queria que ela se separasse dele novamente.
E apesar de a vítima nunca ter registrado queixa contra o marido, pessoas que conheciam a rotina do casal relataram ciúmes e agressões constantes por parte dele.
“Ele judiava muito dela. Uma vez minha sobrinha contou que eles foram para o cinema e lá mesmo ele bateu nela. Ele não escolhia lugar para machucar, bater. Um monstro”, relata Marlene, que acusa Marcelo de causar um aborto na filha após uma agressão.
“Aí ficou grávida dele. Ele espancou ela, ela perdeu o nenê”, diz a sogra do acusado de matar sua filha.
Mãe defende o acusado
Foi uma vizinha quem chamou a PM após ter escutado tiros na casa de Laniele e de Marcelo, que fugiu da residência com a filha do casal, na época com 1 ano. Ele deixou a criança na casa da avó paterna.
“Ele entrou com a menininha no colo e falou que tinha acontecido um acidente lá na casa dele, que tinha tido um disparo, que ela [Laniele] estaria brincando com a arma e teria tido esse disparo”, lembra a também dona de casa Angela Marida da Silva Azevedo, de 45 anos, mãe de Marcelo. “Ele estava muito nervoso, muito desesperado, chorando e saiu.”
Angela prefere não acreditar na conclusão da polícia e do MP, que acusam seu filho de matar a nora.
“Acredito que tenha sido um disparo acidental”, diz a mãe de Marcelo, que, no entanto, também se prepara para alguma punição ao filho. “Espero que, se foi ele realmente, que ele pague o que ele fez. Se a Justiça provar que foi ele, que se faça justiça.”
Ela pede para a equipe de reportagem reforçar que Marcelo sempre foi educado a respeitar as mulheres. “Sempre eduquei e falei: ‘Se você está num relacionamento que não dá certo, você separa, cada um para o seu lado, porque é o certo'”, recorda. “Esse relacionamento do Marcelo com a Laniele é um relacionamento que, desde o começo, deu problemas.”
A guarda da filha do casal, que tem agora 2 anos de idade, é disputada pela avó materna e a paterna. Marlene está com a menina provisoriamente, e Angela entrou na Justiça com pedido para cuidar da criança. A decisão judicial ainda não foi tomada.
Segundo a mãe de Laniele, a neta presenciou o crime, tem pesadelos e lembra do pai atirando na mãe. “Eu acho que tava no colo dela [Laniele]. Eu acho que ela tava mamando porque… Não cheguei a ver, mas ela [bebê] tava toda cheia de sangue.”
Enquanto brinca na sala durante a entrevista, a avó se emociona ao contar que a neta chegou a pedir que a mãe voltasse. “Aí teve uma vez que ela pegou o controle da televisão, fingiu que era celular e pediu para ela voltar. Ela falou: ‘Mamãe, volta'”, diz. “Acabou com a minha vida. Acabou com uma família.”
Essa não é a primeira vez que Marcelo é preso. Ele já havia cumprido pena por tráfico de drogas. “Quando ele bebia, usava droga, ele falava que ia comprar um revólver e ia estourar a cabeça dela. Do mesmo jeito que ele falou, ele cumpriu”, afirma Marlene.
“Jamais trate uma mulher como lixo – Porque lixo vira arte na mão de quem tem talento”, havia postado Laniele um mês antes de morrer, lembra o padastro dela, o porteiro Milton de Carvalho Araújo, de 47 anos. “Mulheres têm que ser tratadas com amor e carinho.”
A postagem, que é uma crítica àqueles que maltratam mulheres, tem a foto de uma mulher e foi compartilhada por ela no dia 16 de julho. “O sonho dela era abrir um salãozinho para ela trabalhar como cabeleireira”, lamenta.
Kleber Tomaz