Mulheres, negras, LGBTs e favela: com seus projetos, Marielle representava minorias na Câmara

21 de março, 2018

Vereadora apresentou 17 proposições ao longo de um ano e três meses de mandato

(O Globo, 21/03/2018 – acesse a íntegra no site de origem)

Foram 16 projetos de lei, um de lei complementar, quatro decretos legislativos e 14 requerimentos de informações assinados. Se Marielle Franco não tivesse sido assassinada há tiros há exatamente uma semana, a vereadora, caloura no parlamento, ainda teria pouco menos de três anos para engordar essa conta. A marca de Marielle, negra, lésbica e nascida na Maré, não eram, entretanto, os números de seu mandato, e sim a coleção de causas escondida entre os algarismos.

Entre seus 17 projetos de lei protocolados, analisados pelo GLOBO, é clara a defesa dos direitos das mulheres, em textos como o que cria uma campanha permanente contra a violência sexual e o que estebelece um programa de atenção ao aborto legal, da valorização do orgulho gay, como a proposta que cria o “Dia da visibilidade lésbica”, e das periferias, como os projetos que versam sobre o funk e a criação do Dia Municipal de Luta contra o Encarceramento da Juventude Negra. Representantes desses grupos temem que, sem Marielle, suas pautas percam espaço na Câmara – e, consequentemente, na cidade.

— Marielle era múltipla. Ela tinha, além das pautas das mulheres, as pautas de direitos humanos, de sistema carcerário. Ela não era militante de uma causa só. Abraçava toda e qualquer causa com que ela se relacionasse. Quando ela assumiu na Câmara, representou um grande sopro de esperança para todos esses movimentos. Era conhecida por ser uma pessoa a abraçar inúmeras causas. E nós estamos extremamente carentes dessa representação — afirma a advogada Maíra Fernandes, do Comitê Latino-Americano de Defesa dos Direitos da Mulher.

ELAS POR ELA

Áurea poderia ser beneficiada com um dos projetos de Marielle: o de criar horários noturnos em creches (Foto: Emily Almeida / O Globo)

As políticas públicas voltadas para as mulheres eram o grande foco dos projetos de Marielle: dos 17 protocolados, 6 falavam sobre o tema. O primeiro deles, datado de março de 2017, instituía o “Programa de Atenção Humanizada ao Aborto Legal e Juridicamente Autorizado” no Rio. Um nome complicado para um objetivo simples: humanizar o procedimento do aborto, em casos previstos na lei, para as mulheres que precisem recorrer a ele. A ideia era facilitar o acesso ao procedimento e acolher melhor quem necessitava dele. Um dos preceitos seria acreditar na mulher submetida ao aborto, sem reciminá-la ou zombar dela. Outro, um atendimento por uma equipe interdisciplinar, e não só por um médico responsável pela interrupção da gravidez em si.

Em sua justificativa para o projeto, Marielle defendeu que “as mulheres que se encontram em situações permitidas por lei para a realização do aborto – por si só dolorosas, como risco de vida, feto com anencefalia e gravidez decorrente de estupro encontram inúmeras dificuldades para ter seu direito garantido”. Segundo a vereadora, a cidade do Rio só tem uma maternidade que realiza o aborto permitido por lei. Usando números de pesquisas nacionais, ela estimou que muitas vítimas de violência sexual no Rio acabam engravidando e não conseguem recorrer ao aborto.

“Um estudo realizado Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea) a partir do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) do SUS de 2011, apontou que 7% dos casos de violência sexual resultam em gravidez. Revelou, porém, que 67,4% das mulheres grávidas em decorrência de estupro em 2011 não tiveram acesso ao serviço de aborto legal. O que quer dizer que a ampla maioria destas mulheres não teve seu acesso ao direito do aborto legal garantido, podendo inclusive, terem se submetido à métodos clandestinos de aborto, colocando sua saúde e vida em risco”, argumentou.

Outros textos que tentavam melhorar as condições de vida das mulheres vieram com o tempo. Um deles versava sobre o estabelecimento de horários noturnos em creches da prefeitura, para que as mães pudessem trabalhar e estudar nesse horário, e bebês e crianças receberem cuidados, realizando atividades complementares às escolares, nesse horário. “Este programa tem por objetivo atender à demanda de famílias que tenham suas atividades profissionais ou acadêmicas concentradas no horário noturno”, dizia o texto do projeto.

Carina Bacelar e Madson Gama

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