Um levantamento de todas as proposições legislativas sobre direitos das mulheres desde a Constituição de 1988 até 2017 foi apresentado pelo Programa Pró-Equidade e pelo Comitê Permanente pela Promoção da Igualdade de Gênero e Raça do Senado. O estudo tem três eixos temáticos: poder e participação política; trabalho e autonomia econômica; e violência contra as mulheres. O trabalho teve o apoio da Procuradoria Especial da Mulher e da Diretoria-Geral e levou cerca de seis meses para ser concluído.
(Senado Notícias, 09/04/2018 – acesse no site de origem)
— O campo legislativo é um campo de luta, de disputas de valores. Os projetos, por vezes, não seguem adiante ou são retomados em outros momentos e, em alguns casos, se têm sucesso, se tornam leis. Mesmo tendo respaldo da Constituição, as mudanças das leis infraconstitucionais não têm a rapidez que se espera. O levantamento pretende estimular que pessoas que se interessem pelo tema possam se aprofundar — explica a gestora do Programa Pró-Equidade e responsável pela pesquisa, Terezinha Nunes.
Terezinha considera a Carta Magna “um divisor de águas” no campo normativo. Ela sustenta porém que, apesar de ter garantido direitos fundamentais, foi possível constatar que nos anos 80 e 90 temas importantes para a causa feminina e que dependiam de regulamentação não avançavam. Ela exemplifica com o esforço despendido, principalmente pelas parlamentares, para a retirada do Código Penal de termos discriminatórios à mulher.
Das 1.212 proposições coletadas no site do Senado, de iniciativa individual dos parlamentares, foram extraídas 381 para análise, inclusive as que foram rejeitadas e arquivadas. No estudo não foram incluídas aquelas com trâmite somente na Câmara dos Deputados. Destas 381, 28% se tornaram leis, sendo 35,5% das proposições do eixo político, 26,8% das que tratavam de trabalho e 23,9% sobre violência contra as mulheres.
Poder e participação política
No eixo “poder e participação política”, a gestora constatou, por exemplo, que, para modificar o termo “reserva de vagas” no texto do projeto que previa vagas de 30% para mulheres nos partidos políticos (Lei 9.504/97), e estabelecer a obrigatoriedade de preenchimento dessas vagas (Lei 12.034/09) houve esforço considerável das parlamentares. Considerando adverso o cenário da participação feminina na política no Brasil, Terezinha menciona que a proporção de 16% de mulheres no Senado e de 10% na Câmara coloca o país em situação de quase “lanterna” na América Latina. O ranking de 2017 da Organização das Nações Unidas (ONU) mostra o Brasil em penúltimo lugar (32º), à frente apenas de Belize (33º).
— Somos [as mulheres] a maioria da população, mais de 50%. Será que estamos bem representadas? — indagou.
Trabalho e autonomia econômica
Quanto ao eixo “trabalho e autonomia econômica”, a licença-maternidade, prevista no artigo 7º, inciso XVIII da Constituição, foi sendo aperfeiçoada ao longo do tempo, com a prorrogação do prazo de 120 dias por mais 60 dias, garantidos pela Lei 11.770/2008 para as empresas participantes do Programa Empresa Cidadã. Dez anos depois, em 2018, o Projeto de Lei do Senado (PLS) 72/2017, amplia o prazo da licença-maternidade de 120 para 180 dias para todas as empresas, mas ainda será submetido à Câmara dos Deputados e à sanção do presidente da República para se tornar lei. Terezinha recorda que, no caso da Empresa Cidadã, a aplicação da lei requer a conscientização da empresa, para que haja a adesão voluntária a pedido da empregada gestante. No âmbito do Senado, por ato do presidente em 2016, foi concedida licença à adotante e prorrogadas as licenças maternidade e paternidade concedidas aos servidores públicos.
Todas essas iniciativas demandaram “persistência e resiliência” das parlamentares, avalia Terezinha. Para ela, a aprovação do projeto que proíbe o pagamento de salários diferenciados para homens e mulheres que exercerem, numa mesma empresa, a mesma função ou atividade profissional (PLS 59/2017) dependerá da sensibilização dos parlamentares.
Violência contra mulheres
Já no eixo temático “violência”, Terezinha destaca que somente após 18 anos da promulgação da Constituição foi aprovada a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006), de proteção específica das mulheres. Mesmo assim, adverte que a lei sofreu dois questionamentos (ADC 19 e ADI 4424), pacificados em 2012 pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Na ADC 19, o STF reconheceu a constitucionalidade dos artigos 1º, 33 e 41 da Lei Maria da Penha. Na ADI 4424, o Plenário do STF entendeu que nos crimes de lesão corporal praticados contra a mulher no ambiente doméstico, mesmo de caráter leve, o Ministério Público tem legitimidade para deflagrar ação penal contra o agressor sem necessidade de representação da vítima.
Também na ocasião, os ministros entenderam que não se aplica a Lei 9.099/1995, dos Juizados Especiais, aos crimes abrangidos pela Lei Maria da Penha. Para Terezinha, tais ações indicam a dificuldade de juízes e desembargadores e demais operadores da Justiça em aplicar corretamente a lei.