Há certas situações cotidianas que não só revelam como a sociedade trata os homens de maneira diferente e privilegiada, como rechaçam as mulheres que têm a mesma atitude, em circunstâncias idênticas, simplesmente porque são mulheres. Eis alguns exemplos:
(Universa, 10/05/2018 – acesse no site de origem)
Esparramar-se no assento no transporte público
É uma mania tão arraigada entre o sexo masculino que até ganhou um nome de “macho”: manspreading. Qual é a mulher que nunca se sentiu incomodada no transporte público por causa de homens espaçosos, que sentam de pernas abertas e obrigam a companheira de assento a se espremer? Culturalmente, o homem é cobrado por sua virilidade. Sentar de pernas abertas pode parecer um “convite à experimentação”, mesmo que inconsciente. O hábito também é resquício de antigas condutas de gerações anteriores, marcadas pelo patriarcado, que ainda hoje repercutem. Sentar-se de pernas abertas pode significar “eu mando aqui e faço o que eu quero”. Quando uma mulher se senta de pernas abertas, é vista como relaxada ou vagabunda.
Ocupar cargos de chefia
Não, não é uma missão impossível, embora a maioria dos ambientes de trabalho ainda seja bem machista. Só que quando uma mulher alça vôos mais altos, elas têm que se esforçar duas vezes mais para serem respeitadas pelos colegas de trabalho e funcionários. Em muitos casos, ainda precisa provar aos outros que merece o cargo e que a promoção não foi fruto de envolvimento com alguém, de puxa-saquismo ou porque é bonita (justificativas que ninguém nem se lembra quando se trata de um cara).
Ser firme no trabalho
Quando um homem é durão ou até meio grosso com os colegas, é tido como durão ou exigente – características importantes para desempenhar as tarefas e obter bons resultados. Quando uma mulher tem uma postura mais firme, porém, as pessoas não só a vêem como uma ditadora mandona, como ainda justificam sua atitude com resultado de questões pessoais ou “tipicamente femininas”: está na TPM, é mal comida, o marido não compareceu na noite anterior e por aí vai.
Sair para o happy hour e deixar o filho com o marido ou algum cuidador
Pode apostar que, ao chegar no bar, a mulher sempre escuta algo como “Com quem você deixou seus filhos?”. Frase que raramente é dita a algum homem, porque as pessoas já pressupõem que os pimpolhos estão sob os cuidados da mãe em casa. Mulheres casadas – e, escândalo dos escândalos – com filhos – costumam ser alvo de críticas e julgamento quando saem sozinhas com o único objetivo de se divertir, pois a sociedade, mesmo que isso não seja dito de forma explícita, espera que ela abandone a própria individualidade depois que se torna esposa e/ou mãe. Há quem diga, sem ironia, que o happy hour dos homens é networking.
Ter ambição
Uma outra coisa chocante quando falamos da percepção diferente das pessoas sobre homens e mulheres é o fato de que ter ambição e sucesso profissional são objetivos sempre relacionados ao masculino. Se uma mulher souber o que ela quer e for atrás, corre o risco de ser vista como arrogante, egoísta, gananciosa e materialista. Afinal, ela quebra a regra fundamental do machismo que é se contentar em assumir um papel de servidão e de cuidados – com a casa, o marido, os filhos… Quando um homem é ambicioso, é tido como um cara incrível, um exemplo a seguir.
Não cuidar da casa
Por mais que a sociedade tenha evoluído, as tarefas domésticas ainda são tidas como uma atribuição (ou seria obrigação?) feminina. Uma mulher que não saiba cozinhar ou não dê muita bola para tapetes ou toalhas de mesa, por exemplo, costuma ser alvo de olhares tortos e comentários negativos. Mesmo que ela tenha MBA em Harvard, pague a maior parte das contas e trabalhe o dia inteiro, deveria chegar em casa e preparar o jantar para o marido, coitado, que deu duro o dia inteiro. O pior é que as próprias mulheres perpetuam esse machismo, tratando o parceiro como um herói, um guerreiro, quando ele tira o próprio prato da mesa depois da refeição e lava o copo em que bebeu.
Beber
Mulher beber ainda é algo feio e reprovável para muita gente. Homem pode, pois é “normal” – ou seja, fez parte da construção social atribuída ao gênero masculino. Lembrando que há pouco tempo foi lançada uma cerveja “feminina”, que em vez de agradar as mulheres acabou fazendo com que muitas encarassem o produto como machista, já que a bebida era vendida como “delicada” e “perfumada”. Gostar ou não de uma cerveja, vinho, cachaça ou de qualquer outra bebida alcóolica é uma questão de gosto e afinidade, não de gênero.
Fontes: Izabel Failde, psicóloga, palestrante e consultora de desenvolvimento pessoal e autoliderança, de São Paulo (SP); Lívia Marques, coach e psicóloga organizacional do Rio de Janeiro (RJ); Mônica Bayeh, psicóloga clínica e psicoterapeuta, do Rio de Janeiro (RJ), e Vitória Régia da Silva, editora da revista eletrônica feminista “Capitolina”
Heloísa Noronha