Grupos feministas afirmam que pré-candidata ao Planalto foi alvo de preconceito no programa Roda Viva
(Folha de S.Paulo, 26/06/2018 – acesse no site de origem)
“Gostaria de retomar a palavra, enquanto entrevistada, se tu me permitires.” “Se você me deixar concluir o raciocínio…” “Vocês gostam de falar mais do que eu. É fantástico.”
Vestida com uma camiseta que estampava a frase “Lute como uma garota”, a pré-candidata à presidência da República Manuela D´Ávila (PC do B) repetiu as queixas acima durante entrevista ao programa Roda Viva (TV Cultura), na última segunda-feira (25).
Segundo levantamento da Folha, a deputada estadual pelo Rio Grande do Sul foi interrompida ao menos 40 vezes durante a entrevista. O jornal considerou como interrupção as ocasiões em que a entrevistada teve dificuldades de concluir sua fala devido a intervenção de alguém.
Nas redes sociais, movimentos feministas classificaram como machista o comportamento dos entrevistadores. Um abaixo-assinado online com mais de 15 mil assinaturas na noite de terça (26) pedia que a TV Cultura marcasse uma nova entrevista com ela.
Embora o formato do Roda Viva, em que vários entrevistadores fazem perguntas a um mesmo nome, favoreça esse tipo de interrupção, o caso de Manuela foi atípico, se comparado ao de outros pré-candidatos, homens ou mulheres, sabatinados pelo programa recentemente.
Marina Silva (Rede) foi interrompida três vezes. Guilherme Boulos (PSOL) e Ciro Gomes (PDT), 9 e 8 vezes, respectivamente.
Os comentários em defesa de Manuela se valeram do termo em inglês “manterrupting”, flexão de “man” (homem) e “interrupting” (interrompendo), usado para apontar casos em que a fala de uma mulher é atravessada por declarações de um homem.
A banca de entrevistadores era composta pelas jornalistas Vera Magalhães (O Estado de S. Paulo), Letícia Casado (Folha), João Gabriel de Lima (revista Exame), o bacharel em filosofia Joel Pinheiro da Fonseca (colunista da Folha) e o diretor da Sociedade Rural Brasileira Frederico D’Ávila.
Sobretudo a participação deste último, coordenador do programa rural do presidenciável Jair Bolsonaro (PSL), foi contestada nas redes sociais, por sua ligação com um candidato no polo oposto da pré-candidata do PC do B.
Manuela e Frederico travaram os principais embates, quando a pré-candidata foi questionada por ele a respeito de estupro e agricultura. “Eu não consigo terminar um raciocínio”, queixou-se ela. Ela também reclamou de ser interrompida por Fonseca e Magalhães ao falar da condenação de Lula e das acusações contra o PT.
“Foi impressionante o desrespeito com que Manuela foi tratada”, disse à Folha a professora de filosofia da UFRJ Tatiana Roque, editora da revista feminista DR. “É um exemplo típico de machismo.”
“Ela viveu ali ao vivo o que vivemos todas nós na disputa por espaço. Tudo transbordava machismo”, afirma Manoela Miklos, uma das editoras do blog feminista #AgoraÉQueSãoElas, hospedado no site da Folha.
A reportagem não conseguiu falar com Manuela. Na internet, ela reproduziu memes e textos que diziam que foi vítima de machismo no programa.
O apresentador do Roda Viva, Ricardo Lessa, rechaçou qualquer acusação de preconceito. “Ela teve mais de 50% de cada bloco de fala sem interrupção. Ao todo, isso deve dar mais de 40 minutos de falas limpas [de total de 80 minutos]. É normal que um debate fique mais acalorado. Não é questão de gênero, mas de jornalismo.”
Vera Magalhães também negou, em rede social, qualquer atitude machista. “Fiz entrevistas com Ciro, Boulos, Bolsonaro e Alckmin. Todos se queixaram de ser interrompidos. Com Ciro virou um debate. Mas diante de uma mulher, Manuela, a interrupção vira ‘manterruption’.”
A reportagem não encontrou Joel Pinheiro da Fonseca e Frederico D’Ávila nesta terça.