Com decisão do Senado argentino, prevaleceu a perspectiva proibicionista
(Folha de S.Paulo, 11/08/2018 – acesse no site de origem)
Depois de ter passado pela Câmara dos Deputados, o projeto que legalizaria o aborto na Argentina foi derrotado no Senado daquele país por 38 votos a 31.
Embora o cenário para a aprovação tenha se mostrado propício, prevaleceu a perspectiva proibicionista, numa região —a América Latina— em que poucas nações adotaram a medida.
Nesta parte do mundo, apenas Uruguai, Cuba e Guiana aceitam o aborto de maneira ampla, enquanto a grande maioria restringe a autorização do procedimento a casos específicos, como risco de morte da mulher ou estupro. As exceções são Nicarágua e El Salvador, onde a proibição é total.
A discussão travada na Argentina trouxe à luz aspectos pouco usuais, como o apoio do presidente Mauricio Macri, de centro-direita —em contraste com a gestão esquerdista de Cristina Kirchner, que se opunha à proposta.
Apesar da derrota, o debate parece ter colocado a questão em outro patamar, além de ter provocado repercussões importantes em outros países. O próprio Macri já declarou que tentará retornar ao tema —pretende incluir a despenalização do aborto no projeto de reforma do Código Penal que enviará ao Congresso neste mês.
No Brasil, o assunto está na pauta do Supremo Tribunal Federal, que após uma fase de audiências públicas vai examinar ação apresentada pelo PSOL para descriminalizar o procedimento, caso se realize até a 12ª semana de gravidez.
Além de encerrar aspectos morais e religiosos, o aborto é sem dúvida uma decisão que envolve traumas e dilemas íntimos. Num mundo ideal deveria ser evitado por meio de precauções contra a gravidez indesejada. Políticas públicas com esse objetivo poderiam, de fato, contribuir para reduzir sua ocorrência e os riscos inerentes.
Esta Folha não considera, entretanto, que a legislação deva tratar como criminosas mulheres que passaram por essa experiência.
A questão precisa ser avaliada pela ótica da saúde pública, levando em conta, especialmente, a realidade dos abortos praticados por mulheres pobres, não raro em condições totalmente inadequadas.
Cabe reconhecer, de todo modo, a legitimidade de teses contrárias e sua ampla difusão na sociedade. Recomenda-se, assim, que se submeta o tema a consulta popular, após debate plural e transparente.