As regras da Justiça Eleitoral que buscam resguardar cotas mínimas de candidaturas femininas e de recursos financeiros a elas ainda não são garantia de que mais mulheres serão, efetivamente, eleitas no Brasil. A constatação, em tom de alerta, é da representante no país da ONU Mulheres, Nadine Gasman.
(UOL, 15/08/2018 – acesse no site de origem)
Em entrevista ao UOL, Nadine lembra que, de acordo com rankings elaborados pela própria ONU, o Brasil tem hoje quantitativamente uma das piores representações femininas na política das Américas Central e do Sul – só está à frente de Haiti e Belize.
“O ponto central é: o que os partidos farão para assegurar que mais de R$ 560 milhões dos R$ 1,7 bilhão [30% do total] do fundo eleitoral realmente viabilizem as candidaturas de mulheres?”, diz Nadine. “Este é o fato novo das eleições de 2018, em que as mulheres terão à disposição recursos para fortalecer as suas candidaturas, o que pode ter efeitos nos próximos ciclos eleitorais e alterar o baixo índice de mulheres eleitas na política brasileira.”
O questionamento é o mote de uma campanha recém-lançada pela ONU Mulheres no país, batizada de #Brasil5050, com 90 vídeos que serão publicados até o final do ano e nos quais mulheres abordam a importância da paridade de gênero na política.
“O Brasil está muito mal não apenas nessa proporção 5050 [50% homens e 50% mulheres], mas [em comparação a] toda a região das Américas”, diz a
representante. “Temos cotas de 30% para candidaturas femininas, mas chegamos a apenas 10% de mulheres na política. É muito pouco.”
Na avaliação dela, a destinação de 30% do orçamento dos partidos brasileiros para as candidaturas de mulheres — regra aprovada neste ano —
é um “sinal de esperança”, mas é necessário “pressão sobre os partidos políticos” para que as candidaturas se revertam em aumento no número de eleitas.
Mais do que candidatas, Brasil precisa de mais mulheres eleitas. Os partidos precisam conseguir que elas sejam eleitas. Para isso, precisam mesmo investir e serem consequentes com essa política de menos desigualdade, já que, hoje, agem mais para o tribunal, para inglês ver
Nadine Gasman, representante no Brasil da ONU Mulheres
“Tivemos 18 mil mulheres na eleição passada que não tiveram um único voto. Sabemos que há mulheres interessadas em participar da política, e que agora, com mais recursos, teriam chances de campanhas mais robustas. Mas acredito que essa responsabilidade é de todos –de candidatas mulheres preocupadas por inserirem em todas as pautas uma perspectiva de gênero, dos partidos, em fazer campanhas e propostas para eleger mais mulheres, e dos candidatos homens, que precisam trabalhar também pelos direitos das mulheres”, afirma.
Nadine não arrisca, porém, uma data para que o país atinja a meta estipulada pela ONU de eleger 50% de mulheres. “Pode acontecer já em 2018 ou não. Mas esperamos ao menos que as mulheres se sintam seguras e livres para poder fazer suas campanhas sem serem agredidas física ou verbalmente pelo fato de serem mulheres.”
Verba não deve servir para mulher ser cabo eleitoral, alerta MPE
No Estado de São Paulo, uma das responsáveis pela fiscalização das candidaturas femininas no Ministério Público Eleitoral será a promotora Vera Taberti.
Assim como a representante da ONU Mulheres no Brasil, ela destacou que uma das principais preocupações do órgão é o uso da verba do fundo eleitoral destinada às candidatas mulheres.
Uma das preocupações do órgão é sobre como os 30% do fundo para mulheres será empregado. Um dos receios é que ele seja canalizado para poucas mulheres no partido ou que seja empregado por mulheres que concorrem como vices, em candidaturas majoritárias encabeçadas por homens – na impossibilidade de se fazer campanha específica para vice, por exemplo, a chapa toda seria beneficiada, e a finalidade do recurso, distrocida.
“Quando esse recurso do fundo foi destinado a mulheres, não se especificou, nesses 30%, como isso ocorreria. Ficou a critério dos próprios partidos, que podem distribuir para todas as candidatas mulheres como podem destinar a uma única candidata”, diz a promotora.
De acordo com Vera, além da divisão do recurso, outro aspecto a ser analisado nas prestações de contas das candidatas é se isso servirá para candidaturas majoritárias.
“Entrevistei quase 300 mulheres que foram candidatas na eleição de 2016, na capital paulista, e que não foram eleitas. Senti delas que não houve investimento, e algumas, que eram líderes comunitárias ou presidentes de associação de áreas populosas, eram como que aliciadas pelo partido e, na prática, se tornavam cabos eleitorais de homens da candidatura majoritária”, explica Vera.
Ela conta que a grande maioria dessas 300 mulheres teve pouquíssimo ou nenhum voto. Outras só se descobriram candidatas no dia da eleição. Agora, a atenção a isso precisa ser maior, porque há um recurso que tem que ser destinado a eleger mulheres – a luta é para que isso seja regulamentado de modo a garantir o aumento da representatividade”, afirma a promotora.
Janaina Garcia