Crimes sexuais no metrô e trens de São Paulo crescem 67% em 4 anos

20 de agosto, 2018

Ofensas como encoxadas e passadas de mão são 8 de cada 10 casos registrados

(Folha de S.Paulo, 20/08/2018 – acesse no site de origem)

O número de crimes com motivação sexual aumentou no metrô e na CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos) ano a ano desde 2015. Na comparação entre o primeiro semestre de 2018 com o mesmo período daquele ano, o crescimento foi de 67%, passando de 97 para 152 casos.

A reportagem usou como parâmetro crimes como estupro, ato obsceno, importunação ofensiva ao pudor, violação sexual mediante fraude e estupro de vulnerável, entre outros. Os dados foram obtidos via Lei de Acesso à Informação, diretamente com a Secretaria Estadual da Segurança Pública.

Entre os crimes ou contravenções de caráter sexual ocorridos no transporte sobre trilhos da capital, gerido hoje pelo governo estadual de Márcio França (PSB), o mais cometido entre janeiro e junho deste ano foi a importunação ofensiva ao pudor.

Diferentemente do que acontece no estupro, a importunação não é praticada com aquilo que a lei considera uso de violência e grave ameaça. São as “passadas de mão” ou “encoxadas”, por exemplo. Elas representaram praticamente 8 em cada 10 casos.

Maior estação do metrô na capital, a Sé (região central) foi aquela que registrou o maior número de casos no primeiro semestre deste ano. Segundo os dados da Secretaria da Segurança Pública, foram 19 casos (12,5%). Também na região central, a estação Brás, que reúne tanto metrô quanto trens da CPTM, é a segunda no ranking de crimes e contravenções de natureza sexual, com oito casos.

O horário de pico da manhã, das 6h às 9h, é aquele que concentra a maior parte das ações. Foram 51 casos no primeiro semestre deste ano, praticamente um em cada três registrados na polícia.

Já a volta de trabalhadoras e trabalhadores para casa, das 17h às 20h, teve 1 em cada 4 casos que viraram boletim de ocorrência entre janeiro e junho.

QUALQUER UM, EM QUALQUER LUGAR

A estudante Beatriz Alonso, 26, se lembra até hoje de uma situação de assédio pela qual passou em um trem da CPTM. Então com 17 anos, ela voltava do cursinho no bairro do Tatuapé (zona leste) para Itaquaquecetuba (Grande São Paulo), onde então morava.

“Segurei no poste de apoio [do trem] e um senhor, de uns 40 anos, que estava acompanhado por alguns amigos, colocou a mão sobre a minha. Eu movia e ele segurava de novo. Estava fazendo isso como uma brincadeira, um jogo. Estava me intimidando, me deixando com medo. Fez isso algumas vezes e eu não conseguia me mover”, diz a estudante.

Beatriz conta que pediu para o assediador parar, mas ele foi mais grosseiro e pediu que ela então segurasse no órgão genital dele.

“Lembro que dei uma resposta muito mal educada também. Ele se sentiu humilhado na frente dos amigos e tentou me agredir. Veio para cima de mim. As pessoas o seguraram e o expulsaram do trem”, relata a estudante.

Beatriz mora há 11 meses nos Estados Unidos e diz que é o tipo de situação que também ocorre fora do Brasil. “Acontece sempre quando se é mulher, em todo lugar. Desde encoxadas até falarem coisas no ouvido”, afirma a estudante.

Um atendente de 40 anos foi alvo de um assediador na última terça, no trecho entre as estações Chácara Klabin e Brigadeiro, da linha 2-verde.

“Fiquei assustado pela situação. É uma sensação em que você fica em choque.”

O assédio aconteceu por volta das 7h. Segundo o atendente, o agressor se aproximou e passou a se esfregar. Mesmo com a vítima mudando de posição, o homem o incomodou até a Brigadeiro, onde desceu. “O fato de ele tentar roçar o pênis na minha mão foi chocante. A gente não sabe qual é a maluquice desses caras.”

CHAMAR A ATENÇÃO

Consultor em segurança pública, o coronel reformado da PM José Vicente da Silva afirma que o uso da tecnologia e uma ação da própria vítima para chamar a atenção para o que está acontecendo podem ser boas soluções. “A vítima importunada deve gritar e chamar a atenção das pessoas em volta, que tendem a apoiá-la. Isso é recomendado nos EUA.”

Vicente diz que o número de registros é pequeno diante do volume de pessoas que utilizam os serviços. “Cada evento é grave, traumatiza as vítimas, mas a quantidade de passageiros transportados é muito grande.”

Para a coordenadora do Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres da Defensoria Pública, Paula Machado de Souza, a educação sobre os direitos é fundamental. “É importante que traga esse assunto para o dia a dia, com cartazes e equipe para acolhimento. Se uma mulher se encontrar nessa situação, é importante que saiba que não está sozinha”, afirma.

ESTADO DIZ QUE INTENSIFICA AÇÕES

A Secretaria dos Transportes Metropolitanos da gestão Márcio França (PSB), responsável por Metrô e CPTM, afirma que as duas companhias realizam ações e campanhas de combate ao abuso sexual e que têm intensificado medidas para coibir esse tipo de crime.

“As duas empresas participaram fortemente da campanha ‘Juntos podemos parar o abuso sexual nos transportes’, lançada em 29 de agosto do ano passado no Tribunal de Justiça de SP, com o objetivo de promover uma mudança cultural que estimule vítimas de abuso sexual nos transportes e/ou pessoas que presenciam algum episódio de violência a denunciarem os agressores, e consequentemente, inibir a prática desses crimes dentro ou fora do transporte público”, diz a nota.

Segundo a secretaria, no metrô, 89% dos abusadores denunciados pelas vítimas são detidos e encaminhados às autoridades policiais, segundo a companhia. A CPTM diz que tem cerca de 8.000 câmeras em toda a sua rede e o Metrô, 4.473.

A Secretaria da Segurança Pública afirma que tem adotado medidas para coibir crimes contra a dignidade sexual, “independentemente do local onde ocorram”. “No primeiro semestre de 2018 foram presas 925 pessoas, sendo 374 por estupro e 551 por estupro vulnerável”, disse, em nota. A pasta diz também que criou um Banco de Perfis Genéticos com 2.615 perfis no sistema.

William Cardoso

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