No Brasil, violência contra a mulher é um fato cotidiano. Não há outra palavra quando analisamos os dados das denúncias, processos e mortes que ocorrem a cada ano. Mesmo considerando que nossa população é formada por mais de 200 milhões de pessoas, a prevalência da violência mostra-se assustadora: um registro de agressão pela Lei Maria da Penha a cada 2 minutos, um estupro a cada 9, uma morte de mulheres a cada 2 horas (ou a cada 8, se considerarmos apenas os crimes já registrados como feminicídio).
(Emais, 23/08/2018 – acesse no site de origem)
Números, números e números. Essenciais para a formulação de políticas públicas, para o jornalismo, para nossa reflexão enquanto sociedade de como tratamos as mulheres nesse país. São os números que nos dão a dimensão da violência contra a mulher no Brasil, que nos permitem comparar com outros países e confirmar a tragédia que é ser mulher por aqui. São os números que nos permitem pensar, agir, avaliar. Nos esforçamos – jornalistas, cientistas sociais, estatísticos, Ministério Público, governo – em produzir números cada vez mais sofisticados e que retratem com cada vez mais precisão a realidade de todos os dias. Produzimos dados sobre os velhos problemas e sobre os que aparecem com as mudanças da sociedade (violência online, por exemplo).
Trabalho essencial que, diga-se de passagem, pode ser absolutamente em vão em era de fake news. Para muitos, danem-se as décadas de pesquisa que traçaram muito bem o cenário do Feminicídio no Brasil se eles não acreditam que essa é uma realidade. Mas esse é só o começo dos problemas.
Venho pensando muito em como somos quase indiferentes aos números que se apresentam para nós. A violência – e nesse caso não só a de gênero – nos é tão tão tão comum e presente que os números pouco chocam. É difícil perceber o que um estupro a cada 9 minutos significa. Significa barbaridade, significa uma imensidão de mulheres e meninas que têm suas vidas marcadas por uma violência tão indigna. As pesquisas já dão conta de que o Brasil é o país que mais mata pessoas LGBT+no mundo e que a expectativa de vida de uma pessoa trans é de apenas 35 anos. É um genocídio. São vidas que não têm o direito de existir. Precisamos nos acostumar a pensar no que esse número significa.
Entre tantas estatísticas que poderíamos usar, é preciso ter em mente que elas carregam vidas, rostos e histórias por trás. Não são números vazios e, portanto, clamam por ação. Alguns dados existem há tempos e ainda assim a mudança só vem após casos muito emblemáticos. Será que nossa realidade nos dessensibilizou a tal ponto que precisamos de histórias cada vez mais trágicas para nos tocar e fazer refletir sobre nossa realidade?
O que me gerou essa reflexão pessoal foi justamente o lançamento de uma plataforma incrível da Agência Patrícia Galvão em parceria com o Instituto Avon, chamada Violência contra as mulheres em dados, que, como o nome indica, reúne de forma bem didática as estatísticas de vários tipos de violência de gênero. Um esforço hercúleo para tornar ainda mais visível uma violência já conhecida de nós brasileiros e, principalmente, brasileiras. Aqui no blog, os textos que compilam esse tipo de informação são bem aceitos. A esmagadora maioria das pessoas que me procuram nas redes sociais também está em busca de dados que mensurem a violência. Bom sinal.
Ao mesmo tempo, inúmeros são os exemplos em que só levamos a questão a sério quando ela acontece perto de nós. Ou nem isso: as estatísticas brasileiras deixam bem claro que o agressor e assassino de mulheres é um homem comum, mas nos recusamos a acreditar. É preciso um casal de vida aparentemente perfeita acabar de forma trágica para que muitos entendam que a violência está em qualquer lugar, que é preciso agir, que não é preciso ser um louco para ser machista.
O Brasil é um país muito violento com suas mulheres (e homens, crianças, negr@s, LGBT…). Em alguns casos há muitas estatísticas. Em outros não (como a violência contra mulheres lésbicas e bissexuais). Podem ter certeza que os esforços continuam para mensurar essas violências, mas eles pouco vão adiantar se não tivermos uma sociedade disposta a ouvir.