A popularização da internet vem colaborando para um novo tipo de violência contra as mulheres: a exposição pública de fotos ou vídeos íntimos, sem o consentimento da vítima. O ato ficou conhecido pela expressão em inglês Revenge Porn, que significa Vingança Pornô, e recebe este nome por se tratar, muitas vezes, de revanchismo de um ex-companheiro. A legislação brasileira ainda é muito branda para punir este tipo de crime, mas tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei n. 5555/2013, conhecido como Lei Rose Leonel, que propõe a incorporação do delito à Lei Maria da Penha.
(Terra, 01/10/2018 – acesse no site de origem)
Segundo a deputada federal Cristiane Brasil, relatora do Projeto na Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados, a criação da Lei é importante para enquadrar, nos crimes de violência doméstica e sexual, os homens que divulgam material íntimo e que ferem a integridade da mulher exposta.
“Na semana passada, a Vingança Pornô passou a ser crime no Código Penal pela recém-sancionada Lei da Importunação Sexual. Isto já é uma vitória para nós, mas é preciso que seja também incorporada à Lei Maria da Penha, que é a melhor legislação que temos de proteção às mulheres”, afirma Cristiane Brasil. Ela reitera que pelo menos agora as mulheres saberão que podem denunciar quem compartilha fotos.
Vazamento de fotos íntimas na internet
Sabrina se apaixonou e teve um envolvimento amoroso com um rapaz de sua cidade. Em algumas trocas de mensagens entre o casal, ele pedia para ver fotos íntimas dela. Sabrina confiava e mandava. Mas, com o fim do relacionamento, as imagens começaram a circular por vários grupos de WhatsApp da cidade. A jovem acabou sendo mandada embora do trabalho e expulsa de casa e teve sua vida fortemente abalada.
Além de todo o trauma que sofreu, Sabrina não teve apoio para resolver judicialmente o problema. “Muita gente falou para eu levar o processo adiante, que eu tinha que cobrar e eles tinham que pagar pelo que estavam fazendo comigo; e teve gente que falou que qualquer bom advogado poderia derrubar aquilo que eu estava fazendo, que eu iria perder”, diz Sabrina. Ela conta também que a própria juíza do caso disse que ela estava errada por ter se expôs. “Eu acabei desistindo do processo, porque eu senti que não iria ter forças”, lamenta.
Quando o fato aconteceu na vida de Sabrina, ainda não tinha nenhuma Lei sobre Vingança Pornô tramitando no Congresso Nacional. O Projeto de Lei Rose Leonel está em tramitação desde 2013 e busca punir a Vingança Pornô com penas severas. Antes, quando as vítimas conseguiam ganhar judicialmente, as penas eram totalmente brandas para quem expunha as pessoas sem consentimento, com pena de prisão de três meses a um ano, mais multa. “A Lei que estamos tramitando estabelece uma pena mais dura: de dois a quatro anos a quem expuser a intimidade de terceiros sem autorização”, explica Cristiane Brasil.
Segundo a deputada, a Lei Maria da Penha é considerada um marco no combate à violência contra a mulher, pois prevê muitas políticas públicas de prevenção e punição de situações de violação de direitos das mulheres. “Por isso a importância da Vingança Pornô estar também amparada por esta legislação”, afirma. A definição de violência doméstica e familiar contra a mulher está descrita no artigo 5º, que diz: “Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial”.
Punição para vingança pornô
Há 12 anos, a jornalista Rose Leonel viu sua vida devastada depois que o ex-namorado, divulgou imagens íntimas dela, após o rompimento. Ele gravou alguns CDs com as fotos e distribuiu em condomínios da cidade. Resultado: Rose perdeu o emprego, a guarda do filho e foi extremamente hostilizada em sua cidade, Maringá, no Paraná. A repercussão da história fez nascer o Projeto de Lei, que leva o nome da jornalista, e a incorporação do crime na Lei Maria da Penha. Em 2013, Rose fundou a ONG Marias da Internet, com o objetivo de ajudar outras mulheres, que também foram vítimas de Vingança Pornô.
Para a deputada federal Cristiane Brasil, a divulgação de imagens sem autorização trata-se de uma baixaria e uma crueldade sem tamanho com as vítimas que tiveram a sua intimidade exposta ao mundo. “Este é um ato revoltante de machismo, misoginia e desrespeito com a mulher”, protesta, ressaltando que o objetivo é claro: submeter a vítima a uma humilhação pública. “O criminoso sabe que a mulher vai ser julgada pejorativamente por parte da sociedade, inclusive por pessoas de seu convívio”.
Segundo a deputada, 51% das vítimas de Vingança Pornô cogitam o suicídio, segundo pesquisas realizadas por ONGs de apoio. “Trata-se de um trauma muito grande e para algumas mulheres é muito difícil superá-lo”, preocupa-se Cristiane Brasil. As mulheres vítimas deste crime, geralmente, param de frequentar locais públicos, como o trabalho, os estudos, a igreja, ou qualquer outro ambiente e passa a se esconder da sociedade em casa. Em casos mais sérios, especialmente, em municípios pequenos, mulheres são obrigadas a mudar de cidade para poder reconstruir as suas vidas depois de algum tempo.
A parlamentar diz ter conhecimento de relatos de muitas vítimas da Vingança Pornô que precisaram iniciar tratamentos psicológicos ou, até mesmo, psiquiátricos para o uso de medicamentos controlados. “Parte das vítimas deixam de confiar nas pessoas, principalmente nos homens. Elas se fecham para o mundo e para as novas experiências, sejam relacionamentos de amizade, uma nova paixão, ou até mesmo uma grande oportunidade de estudo ou profissional. O medo trava as pessoas e quem faz a Vingança Pornô consegue matar a essência da vítima”, lamenta Cristiane Brasil.
“O mais importante, porém, é prevenir a situação. A prevenção se faz pela educação. Pela responsabilidade das famílias e das escolas em discutir as questões do respeito e do empoderamento da mulher. Leve essa discussão para a vida de vocês, em seus lares, escolas, empresas etc.”, defende Cristiane Brasil. “É por isso que eu luto por todas as iniciativas pelo fim da violência contra a mulher”, finaliza.