Desde a saída de Mário Juruna do Congresso, em 1986, nenhum indígena havia conquistado o cargo de deputado federal
(CartaCapital, 10/10/2018 – acesse no site de origem)
Joênia Wapichana derrubou um tabu histórico: nunca uma mulher indígena havia sido eleita deputada federal no Brasil. Nunca até o último domingo 7. Com 8.491 votos, Wapichana venceu as eleições em Roraima, pela REDE, e ocupará uma das oito cadeiras reservadas ao estado na Câmara dos Deputados.
Em toda a história, apenas outro nome indígena havia ocupado o cargo – Mário Juruna, do PDT, em 1982. Juruna criou a Comissão Permanente do Índio no Congresso, que anos depois seria incorporada à recém-criada Comissão de Direitos Humanos e Minorias. Após o término do mandato, nunca foi reeleito.
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Wapichana ocupa a lacuna deixada por Juruna em um momento importante: nos últimos dos anos, o governo de Michel Temer acabou com mais de 300 cargos da Funai e atrasou as demarcações de terra. Wapichana sabe a importância de seu mandato. “Todos têm uma missão na vida. A minha é defender os direitos coletivos indígenas”, escreveu em sua conta de Instagram.
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Todos tem uma missão na vida. A minha é defender os direitos coletivos indígenas.
E a missão começou há tempos. Enquanto crescia, ouvia todas as conversas sobre direitos indígenas e os receios dentro da comunidade Wapichana sobre demarcações de terras. Decidiu, então, estudar direito. “Fui a quinta colocada, onde só tinha filho de deputado, filho de dono de jornais, mas competi de igual com eles. Acabei me formando em quatro anos, em um curso que o mínimo era cinco”, contou em vídeo para o RenovaBR, grupo do qual faz parte. Foi o primeiro tabu que ela quebrou: tornou-se a primeira advogada indígena do país.
Em 2008, entrou no Supremo Tribunal Federal para defender a demarcação definitiva das terras na Reserva Raposa Serra do Sol, no norte de Roraima, homologada de forma contínua, em 2005, pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
À época, havia uma disputa entre arrozeiros que insistiam em permanecer nas terras indígenas. E virou vaivém, ora pela retirada dos agricultores, ora pela suspensão da retira. “Já nos tiraram a sede do município de Normandia. Já tiraram um pedaço, no julgamento de 2005, da sede do município de Uiramutã. Pedaços em pedaços estão tirando. E amanhã? Como ficará?”, questionou. Em 2009, o STF bateu o martelo e manteve a reserva indígena com 1,7 milhão de hectares.
Só voltaria aos holofotes da política novamente nestas eleições. E sabia das dificuldades. “Roraima sempre teve uma cultura de apoiar grandes políticos que já estão aí há muitos anos. Então a dificuldade que eu tive foi fazer com que as comunidades indígenas e a população não-indígena acreditassem que é possível a gente fazer uma campanha simples, levando a verdade e o compromisso”, explicou em entrevista à Funai.
Tentou superar as barreiras financeiras com um financiamento coletivo. Dos 30 mil reais esperados, no entanto, conseguiu arrecadar pouco mais de 2 mil reais. “Diziam ‘ah, sua campanha não é rica, é simples! Joênia é pobre, como vai ajudar vocês?’. Então, um desafio que eu tinha era desmistificar tudo isso que as pessoas falam: que nós indígenas somos incapazes, que não temos condições de ter uma campanha”, contou em entrevista à Funai.
Com a ajuda do partido, investiu 195 mil reais, de acordo com os dados divulgados pelo TSE. Quase nada perto da maioria de seus conterrâneos eleitos – Sheridan, do PSDB, gastou sozinha 2,3 milhões de reais em sua campanha.
Nos próximos quatro anos de mandato, Wapichana vai encarar um Congresso conservador, com 52 parlamentares do PSL, partido de Jair Bolsonaro. Mas, dessa vez, contará com mais mulheres ao seu lado: elas passaram a ocupar 15% das cadeiras – contra 10% de deputadas eleitas em 2014.
Por Carol Castro