São 1.273.398 processos de violência doméstica em andamento nos tribunais de todo o país. Mulheres agredidas nem sempre conseguem buscar ajuda.
(Jornal Nacional, 16/10/2018 – acesse no site de origem)
A frequência assustadora com que mulheres têm sido vítimas de violência, apenas por serem mulheres, chama atenção para um traço comum a esses crimes. Muitas vezes, apesar de sofrerem agressões dentro de casa, elas não percebem que são vítimas e não se dão conta de que essa violência pode ser fatal. Por isso, é fundamental que elas recebam ajuda.
Era para o banheiro que ela corria quando era agredida. Mas enquanto esperava que ele fosse embora, ela nem conseguia olhar para o espelho. Dois anos e meio de tortura dentro de casa acabaram com a autoestima e com a capacidade de fugir de vez da violência.
“Eu não estava, não sei, não estava querendo acreditar que a pessoa que eu tinha escolhido para cuidar de mim era uma pessoa cruel. Eu não estava entendendo isso, então eu não pedia ajuda de vergonha, por achar que não, era coisa da minha cabeça, ele ia mudar”, conta a mulher que não quis se identificar.
Ela só acordou para o que estava acontecendo, depois de chegar muito perto de morrer. “Ele pegou com a mão e me deitou na cama e começou a me enforcar, eu comecei a desfalecer. Eu não sei porque foi que ele parou, não sei se o amigo chamou ele de novo, não lembro, e aí eu fui e chamei a polícia. A polícia veio, mas ele fugiu antes”.
São 1.273.398 processos de violência doméstica estão em andamento nos tribunais de todo o país. Cada um deles pode contar a história de uma mulher que quebrou um ciclo de agressões verbais, psicológicas, patrimoniais ou físicas antes que o pior acontecesse: o feminicídio.
Os juízes dizem que esse crime quase sempre é planejado e evitável porque dá sinais de que vai acontecer. O cruel é que a vítima, fragilizada, nem sempre consegue se dar conta.
“A violência doméstica insere a vítima em um ciclo e esse ciclo produz inúmeros efeitos, entre eles depressão e até a síndrome do desamparo apreendido, que é uma situação em que a vítima se encontra em que ela não consegue buscar ajuda, não consegue ter reação à violência que contra ela é infringida”, explica Teresa Cabral Santana, juíza da Coordenadoria da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar do Poder Judiciário do Estado de São Paulo (Comesp).
Se a vítima não reage e perdoa o agressor é porque precisa de ajuda. “Ela não consegue sair sozinha porque ela está abalada, normalmente deprimida. Então, ela tem que se perceber como vítima e a partir daí pedir o auxílio para que ela consiga sair do ciclo de violência”, diz Teresa.
O trabalho de reestruturar essa mulher passa por fazer ela entender que merece mais. “Viu que ele não mudou? Mude você. O matrimônio ele é bom se ele for respeitoso, se ele for saudável. Se ela já tentou de tudo e não está bom, a sugestão é que ela tenha, se dê a chance de ter uma outra oportunidade, de ser feliz ao lado de alguém saudável”, afirma Artur Zular, professor de psiquiatria da Faculdade da Santa Casa de São Paulo.