O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Luis Roberto Barroso afirmou hoje que o debate em torno da legalização do aborto já estaria resolvido “há muito tempo” se os homens engravidassem.
(UOL, 06/04/2019 – acesse no site de origem)
Barroso é favorável à legalização do aborto e afirmou que a criminalização do ato impacta de forma negativa e desproporcional as mulheres pobres por não terem acesso ao sistema público de saúde.
“Porque se só a mulher engravida, para ela ser verdadeiramente igual ao homem, ela tem que ter o direito de querer ou não querer engravidar. E, se homens engravidassem, esse problema já estaria resolvido há muito tempo”, declarou.
Após a fala, o ministro foi amplamente aplaudido por parte da plateia presente ao debate “+Tolerância: relações entre Estado e religião no Brasil” integrante do evento Brazil Conference, promovido por alunos brasileiros das universidades de Harvard e MIT (Massachusetts Institute of Technology), nos Estados Unidos.
Também participaram do painel a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, o arcebispo de São Paulo, Dom Odilo Scherer, e a deputada federal Geovania de Sá (PSDB-SC).
Na opinião do ministro, o aborto diz respeito à religiosidade das pessoas e aos direitos fundamentais das mulheres. Ele acrescentou que a decisão de levar adiante ou não uma gravidez é intrínseca ainda às liberdades sexual, reprodutiva e de autonomia.
Ele ponderou, porém, que o aborto é “uma coisa ruim” e cabe ao Estado evitar que ele ocorra por meio da oferta de métodos contraceptivos, educação sexual e do apoio à mulher que queira dar à luz em condições adversas.
“A finalidade de uma política pública nessa matéria deve ser a de tornar o aborto raro, porém, seguro. Acho que qualquer pessoa de qualquer religião tem todo o direito de pregar contra, de não fazer, de defender que seus fiéis não façam e de pedir que as pessoas em geral não façam. Mas criminalizar considero uma forma autoritária e intolerante de lidar com o problema que é a não aceitação do outro e da sua posição”, falou.
Atualmente, a legislação permite o aborto quando a gravidez é decorrente de estupro, há risco de vida para a mulher ou o feto é anencefálico – uma má formação que, em geral, constitui-se na ausência do cérebro no bebê.
No ano passado, o STF promoveu audiências públicas para debater a descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação, mas o tema não voltou a ser julgado. A iniciativa faz parte da análise de uma ação do PSOL em 2017, que pede a liberação legal do aborto neste caso.
“Uma religião própria”
No início do debate, cada um foi convidado a dizer se professa alguma religião. Barroso disse ter uma “religião própria” com base no Torá, nos evangelhos, em Buda, Tomás de Aquino e Kant. Dom Odilo Scherer, obviamente, afirmou ser parte da Igreja Católica Apostólica Romana, assim como Dodge. A deputada Geovania afirmou ser evangélica e, a mediadora, jornalista Flávia Oliveira, candomblecista.
Quanto ao combate ao tráfico de drogas, Barroso disse que o papel do estado é desincentivar o consumo, mas, em partes, a criminalização só assegura o monopólio do traficante. Ele citou o Rio de Janeiro como exemplo e falou em “devastação” no estado.
A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, declarou que a liberdade da religião toca no âmbito da individualidade e que o Brasil é uma nação de imigrantes de diferentes etnias, origens e religiões que se encontraram com povos nativos. Ela lembrou, porém, que durante o período monárquico houve uma religião oficial – o catolicismo – inclusive com perseguições a quem não seguisse a fé.
Ela ressaltou que hoje o Brasil tem elevado grau de liberdade religiosa e o estado tem de assegurar que todos os pensamentos possam ser expressos em praça pública, o que já ocorre por meio dos códigos Civil e Penal, acrescentou. Para Dodge, o ambiente atual é “muito mais claro de repudiar discriminações”.
A deputada Geovania afirmou que os evangélicos passaram a ganhar mais visibilidade no Congresso Nacional após a formação da frente parlamentar própria em 1986. De acordo com a deputada, família, escola e igreja são os pilares fundamentais da sociedade e, quando um desses aspectos vão mal, o mesmo acontece com políticas públicas.
O arcebispo de São Paulo, Dom Odilo Scherer, declarou que a laicidade do estado não é passada de forma direta aos cidadãos e que se o governo tentasse laicizar a população, a liberdade religiosa e o pluralismo sadio ficariam comprometidos.
Na sua avaliação, não cabe à igreja tomar partido em temas de Estado, mas contribuir por meio da formação ética e moral de seus indivíduos que atuarão nas mais diversas áreas. Ele adicionou que templos católicos não podem ser utilizados para manifestações políticas.
Luciana Amaral