Texto, que altera Lei Maria da Penha, foi aprovado no Senado e aguarda sanção presidencial
(Folha de S.Paulo, 16/04/2019 – acesse no site de origem)
O projeto de lei que permite a autoridades policiais conceder medida protetiva à mulher vítima de violência, aprovado na última terça (9) no Senado e enviado para sanção presidencial, é criticado por entidades e especialistas da área, que questionam a constitucionalidade e efetividade da proposta.
O texto, que altera a Lei Maria da Penha, diz que delegados e policiais militares podem afastar agressores do local de convivência com as mulheres caso representem uma ameaça à vida ou integridade física delas. A atribuição atualmente é exclusiva dos juízes.
A Polícia Civil pode assumir a função quando o município não tiver juiz de plantão no local, e a Militar, quando não houver juiz ou uma delegacia disponível no momento para cuidar da ocorrência.
Coordenadora do Núcleo Especializado de Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres da Defensoria Pública de São Paulo, Paula Sant’Anna avalia que o projeto é inconstitucional. “Qualquer decisão sobre restrição a direitos individuais, como de ir e vir, deve vir de uma autoridade judicial”, afirma.
Os integrantes do sistema de Justiça têm o dever de trabalhar em conjunto, mas a competência de cada um deve ser preservada, diz Maria Domitila Manssur, da Secretaria de Gênero e da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar da AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros). Para ela, o texto representa um “desnecessário risco a princípios constitucionais”.
Foi por essa razão que um projeto semelhante, que estendia a competência a delegados de polícia, foi vetada pelo ex-presidente Michel Temer, em 2017.
O enfoque do texto, de autoria do ex-deputado federal Bernardo Santana de Vasconcellos (PR-MG), também é alvo de críticas.
O problema maior não é a demora na análise dos pedidos de medida protetiva, diz Sant’Anna, mas a falta de investimento público em ações de prevenção e enfrentamento à violência contra mulheres. “O que precisamos é aplicar a lei, não modificá-la”, diz a defensora.
Atualmente, os juízes têm até 48 horas para conceder ou não uma medida protetiva. Caso o projeto entre em vigor, o tempo será reduzido para 24h —antes disso, a autoridade policial deve comunicar o magistrado sobre a proteção no mesmo período de tempo. Faltam estatísticas no país que comprovem com que frequência o prazo é respeitado.
Se é para acelerar o processo, que a solução seja a melhoria na comunicação entre polícia e Judiciário, diz a cientista social Tatiana Santos Perrone, especialista em violência contra a mulher. “Existem meios eletrônicos para isso. Em alguns lugares do país, o juiz recebe o pedido de medida protetiva por e-mail. Não existe necessidade de levar a solicitação de barco ou avião”, diz.
Mas não adianta facilitar a concessão e não investir na rede de proteção à vítima como um todo. Para a pesquisadora, as autoridades devem investir na capacitação de policiais e juízes, aumentar a quantidade de delegacias da mulher e criar mais abrigos para vítimas de violência. “Acho que houve uma simplificação de um problema muito complexo”, afirma.
Sem esforços para melhorar os serviços de proteção à mulher, o projeto pode dar uma falsa sensação de segurança às vítimas, o que pode ser perigoso, diz Manssur, da AMP. O problema não será resolvido de forma instantânea. A efetividade depende de vários fatores, como o cumprimento da medida e da confirmação posterior por um juiz.
O projeto determina que as medidas protetivas serão registradas em um banco de dados do Conselho Nacional de Justiça, que pode ser acessado pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública e órgãos de segurança pública e assistência social, para garantir a fiscalização e efetividade da proteção.
Há, por outro lado, quem veja a mudança com bons olhos.
A começar pela Comissão de Direitos Humanos do Senado, que emitiu parecer favorável ao projeto. Afirma que a alteração na lei é positiva devido à atual morosidade na concessão de medidas protetivas, resultante da “judicialização cada vez maior das demandas brasileiras”, e que pode “significar a diferença entre a vida e a morte” das vítimas.
Presidente do Sindpesp (Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo), Raquel Gallinati afirma que delegados devem, sim, ter direito a conceder a proteção, já que têm conhecimento técnico-jurídico para tal e dariam celeridade ao processo.
Mas diz que estender a atribuição a qualquer autoridade policial pode “banalizar o instituto” e impedir a efetividade das medidas protetivas.
Advogado e professor de direito penal da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Edson Knippel diz que o projeto vai beneficiar quem vive em lugares mais ermos, sem juiz de plantão, que não mais “ficarão ao relento”.
Para ele, o texto não é inconstitucional, já que a decisão será revista por um juiz em 24h. “A violência contra a mulher deve ser rebatida na hora”, diz.
Projeto
O projeto 94/2018, que altera a Lei Maria da Penha, prevê que autoridades policiais podem conceder medidas protetivas de urgência a mulheres em situação de violência doméstica e familiar. Hoje, a atribuição é exclusiva de autoridades judiciais. O texto foi aprovado no Senado e aguarda sanção do presidente
O que acontece
O agressor é imediatamente afastado do lar, domicílio ou local de convivência com a vítima caso haja risco à vida ou integridade física da mesma
Quem pode aplicar
Delegado de polícia, quando o município não for sede de comarca, e policial militar, quando o município não for sede de comarca e não houver delegacia disponível no momento da denúncia
Prazo
O juiz deve ser comunicado no prazo máximo de 24 horas e decidir, no mesmo prazo, sobre a manutenção ou não da medida aplicada. O Ministério Público deve ser comunicado sobre o veredito. Atualmente, a autoridade judicial deve ser comunicada em até 48 horas sobre a ocorrência e avaliar a demanda no mesmo período
Registro
As medidas protetivas são registradas em um banco de dados nacional mantido pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça), que pode ser acessado pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública e por órgãos de segurança pública e assistência social. Hoje, os bancos de dados são estaduais.
Júlia Zaremba