Chamada de ‘PEC da Vida’, proposta pode entrar em votação na CCJ e minar chances de acesso ao aborto seguro no Brasil
(CartaCapital, 08/05/2019 – acesse no site de origem)
Nesta quarta-feira 8, a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados deve colocar em votação a PEC 29/2015, que altera o artigo 5º para defender a inviolabilidade do direito à vida “desde a concepção”. Chamada de ‘PEC da Vida’ pelos congressistas favoráveis ao texto, a proposta não muda nada na prática, mas implica em interpretações que podem ser drásticas à redução do número de abortos inseguros, mortes de gestantes e pesquisas com células tronco e fertilização in vitro.
Para críticos da PEC, debater o momento da concepção é discussão sem frutos para reduzir as estatísticas atuais de aborto no Brasil. “É discutir sexo dos anjos. O número não vai se reduzir sozinho se chegarmos à conclusão de quando começa a vida”, disse Camila Mantovani, estudante de teologia e ativista evangélica pela legalização do aborto.
De acordo com a Pesquisa Nacional do Aborto de 2016, 1 em cada 5 mulheres, aos 40 anos, já havia passado por um aborto ao menos uma vez. Independente desse dado, a maioria delas tinha filhos. O procedimento também tem extrato social: foi identificada maior frequência do processo entre mulheres de menor escolaridade, pretas, pardas e indígenas.
Presente no artigo 128 do Código Penal brasileiro, a não punição a mulheres está prevista quando não houver outra forma de salvar a vida da gestante, ou se a gravidez resultar de estupro. A própria justificativa da PEC 29/2015 deixa explícito que a mudança não muda constitucionalmente o artigo, mas especialistas temem efeitos de interpretação ou moralizantes.
“O que se quer fazer é provocar uma confusão moral sobre o que significa a proteção especifica do direito inicial à vida. Em casos extremos, isso pode inviabilizar a pesquisa em células tronco e fertilização in vitro. Nenhum direito é absoluto”, comentou Gabriela Rondon, doutoranda em Direito pela UnB e pesquisadora do Instituto Anis de Bioética, Direitos Humanos e Gênero.
“PEC da Vida”
A relatora da proposta, a senadora Selma Arruda (PSL/MT) – juíza que ostenta o apelido de “Moro de saias” e teve o mandato cassado pelo Tribunal Eleitoral Regional do Mato Grosso em abril -, argumentou que a defesa do Estatuto do Nascituro é “defender as duas vidas (a que está em gestação e a vida da gestante)”.
Na sustentação, utilizou de estudos que foram questionados pela comunidade científica, como os que fazem a relação entre abortos e a porcentagem de câncer de mama. Na internet, a utilização dos argumentos é recorrente em portais que se colocam contra o procedimento.
Publicamente favorável à PEC, a ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, publicou na segunda-feira 06 sobre sua presença em um evento em Goiânia “em favor da vida de mães e bebês”.
Estou em Goiânia para defender a vida de todos, desde a concepção. Trabalhamos em favor da vida de mães e bebês. pic.twitter.com/08LVxHiVC5
— Damares Alves (@DamaresAlves) 6 de maio de 2019
Dentro da base governamental, no entanto, até o vice-presidente Hamilton Mourão já se posicionou a favor da escolha da mulher em relação ao aborto – o que marcaria o início de uma série de incongruências com a base fundamentalista religiosa.
Para Camila Mantovani, que precisou sair do país devido à perseguições sofridas por conta de seu posicionamento – “recebi ameaças inclusive com versículos da Bíblia”, disse -, a defesa da vida encontra a dignidade humana. “Na Igreja, trabalhamos muito na redução de danos. Não dá para ficar como está hoje no Brasil. Precisamos reduzir urgentemente o número de abortos e de mortalidade materna decorrentes de abortos inseguros.”
Rosângela Talib, coordenadora da ONG Católicas pelo Direito de Decidir, defende que não priorizar a redução do número de abortos inseguros faz com que a PEC seja, na verdade, “uma PEC da morte”. “Um embrião não pode ser comparado com uma pessoa. Está no corpo de uma mulher. Ainda estamos falando em um ser em desenvolvimento”, diz.
Na votação, os membros integrantes da CCJ poderão aprovar o texto com ou sem alterações. Caso passe, a PEC 29/2015 vai à votação no Senado para depois ser enviada à Câmara dos Deputados. Somente com a aprovação nas duas casas que a emenda passa a valer.
Giovanna Galvani