“Lei que veta prisão para gestantes e mães de crianças é descumprida no Rio” é o título de reportagem publicada em 29 de março nesta Folha, abordando um tema que ainda tem pouca visibilidade: as mães privadas de liberdade.
(Folha de S.Paulo, 12/05/2019 – acesse no site de origem)
O texto mostra que nos 347 casos analisados pela Defensoria Pública do estado do Rio, órgão que faz um notável trabalho na tentativa de garantir os direitos dessas pessoas, predominam mulheres presas por crimes relacionados à Lei de Drogas (132) ou furto (118), as quais, em sua maioria, se identificam como pretas ou pardas.
Os dados do nosso sistema prisional são alarmantes: segundo o Banco Nacional de Monitoramento de Prisões, em 2018 eram 602.217 pessoas privadas de liberdade em todo o país, sendo que 40% delas ainda não haviam sido julgadas, ou seja, eram presos provisórios. E 64% dessa população prisional é composta por pessoas negras, 75% com baixa escolaridade, não tendo tido sequer acesso ao ensino médio.
Principalmente no caso das mulheres, soma-se a este contexto a lei nº 11.343/2006, mais conhecida como Lei de Drogas, a qual resultou num aumento de 656% de mulheres no sistema prisional entre 2000 e 2016. Segundo dados do Infopen (Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias), 74% das mulheres privadas de liberdade são mães, enquanto 47% dos homens na mesma condição declaram ser pais.
Data de 2017 a alteração da legislação para vedar o uso de algemas em grávidas durante o trabalho e realização do parto e no puerpério. O Estatuto da Criança e do Adolescente (1990) estabelece que “incumbe ao poder público proporcionar assistência psicológica à gestante e à mãe no período pré e pós-natal, inclusive como forma de prevenir as consequências do estado puerperal”.
É importante acrescentar que o grande avanço no tratamento desta questão até o momento, foi dado, na verdade, pela lei nº 13.257/2016 (Marco Legal da Primeira Infância). O artigo 318 do Código Penal discorre sobre as possibilidades de substituição da prisão preventiva pela domiciliar, e o Marco Legal da Primeira Infância inclui a mulher com filho até 12 anos incompletos, e o homem preso, caso seja o único responsável pelo filho de até 12 anos.
Ser gestante também é suficiente para que o juiz possa substituir a prisão preventiva pela domiciliar. Observa-se, desde a sua sanção, a luta para que esse direito seja exercido, a despeito de barreiras que atrasam o processo, como a questão documental —a gravidez e/ou existência de filhos precisa ser comprovada— e a demora na análise das solicitações da prisão domiciliar.
O Coletivo de Advogados em Direitos Humanos (CADHu), com o apoio da Defensoria Pública da União e de atores da sociedade civil, impetrou no Supremo Tribunal Federal, em 2017, pouco mais de um ano após a sanção do Marco Legal da Primeira Infância, um habeas corpus coletivo para que o artigo 318 do Código Penal fosse aplicado às mulheres em prisão preventiva, e mostrou que boa parte dos pedidos de prisão domiciliar nos casos especificados pela lei estava sendo indeferido.
É preciso que se promova a vigilância e proatividade constantes com o que foi conquistado, para que o Marco Legal da Primeira Infância e seus avanços no tratamento dos direitos das crianças e de suas mães não seja esquecido e possa efetivamente beneficiar as que se encontram nesse grau de vulnerabilidade. Dessa forma, ganha a sociedade como um todo.
Ana Estela Haddad é cirurgiã-dentista, professora associada da Faculdade de Odontologia da USP e ex-diretora de Gestão da Educação na Saúde do Ministério da Saúde (2005-2012, governos Lula e Dilma);
Mariana Scaff é Mestre em administração pública e governo pela FGV e bacharel em gestão de políticas públicas pela USP