Em meio ao aumento de homicídios de mulheres na Grande São Paulo no último ano e à crescente demanda das vítimas por serviços de proteção na região, policiais civis do estado passaram a receber formação acadêmica em direitos humanos com foco no atendimento à mulher em situação de violência, em especial a doméstica e familiar.
(Universa, 16/05/2019 – acesse no site de origem)
Os números são mesmo alarmantes: a quantidade de feminicídios em São Paulo subiu 26,6% no ano passado, segundo a Secretaria de Segurança Pública. As ocorrências registradas em Delegacias da Mulher paulistas aumentaram de 43.288 para 46.222, na comparação do primeiro trimestre de 2018 para o mesmo período de 2019. Isso representa um aumento de quase mil registros por mês, de acordo com dados da SSP obtidos via lei de acesso à informação pela reportagem. Fora a quantidade de subnotificação — muita gente não denuncia os agressores por medo.
Diante desse cenário, ao assumir a diretoria da Academia de Polícia Civil do estado (Acadepol) no ano passado, o ex-delegado geral Julio Guebert decidiu ampliar o debate sobre a violência de gênero em cursos e atividades de formação da instituição. Afinal, para receber e orientar tantas denúncias, os policiais precisam estar preparados para lidar com um tipo muito específico de violência.
As ações, iniciadas há seis meses e voltadas principalmente a policiais em início de carreira e delegados, incluem disciplinas obrigatórias de direitos humanos e atendimento a vítimas de violência doméstica, encontro de delegacias especializadas (DDMs), oficinas com simulações de casos e um grupo de estudo sobre feminicídio.
“Temos falado da importância do atendimento público em questões relativas a gênero e, uma vez que é um problema cultural, nossa ideia é criar uma cultura institucional dentro da corporação que priorize o enfrentamento à violência doméstica”, diz Guebert.
Até o momento, segundo a Acadepol, 4830 agentes já passaram pelas recentes iniciativas da instituição, que incluem a formação de novos policiais pela disciplina “Atendimento às vítimas de violência doméstica e crimes contra a dignidade sexual”, e atividades de especialização para delegados e profissionais que já exercem atividade policial, como as aulas de “Feminicídio e a investigação sob a perspectiva de gênero”.
Sobre a receptividade às aulas que envolvem a temática de gênero e direitos humanos, a delegada e coordenadora do Grupo sobre Feminicídio da Academia, Juliana Mota, destaca duas situações: “Alguns começam a refletir sobre suas próprias práticas policiais e entender como a desigualdade de gênero também se reflete nelas. Por outro lado, temos alunos um pouco relutantes em relação não só a temática do gênero, mas à temática da sexualidade, o que acaba sendo um reflexo da sociedade em que vivemos.”
Cenário crítico
Apesar do estado paulista possuir hoje mais de um terço das Delegacias da Mulher do país e ter aderido a partir de 2017 a um “Protocolo Único de Atendimento” para crimes que se enquadram na Lei Maria da Penha, suas delegacias seguem enfrentando dificuldades no enfrentamento à violência contra a mulher, que incluem a falta de investimento público em redes integradas de apoio às vítimas e o baixo orçamento da Polícia Civil.
Ainda que o governador João Dória tenha anunciado a ampliação de Delegacias da Mulher 24 horas até o fim do seu mandato, faltam hoje mais de 700 delegados e quase 14 mil profissionais atuantes na Polícia Civil de São Paulo, o que representa o seu menor efetivo em 20 anos, de acordo com o Sindicato de Delegados de Polícia estadual.
Segundo Mota, os desafios específicos enfrentados por policiais que atuam em Delegacias da Mulher vêm moldando os recentes debates ampliados dentro da Academia.
“A gente tem dado um olhar mais apurado para questões relacionadas às DDM’s, justamente porque sabemos das dificuldades específicas que enfrentam. Elas não exigem só um trabalho policial, mas envolvem questões extrapoliciais e extrajurídicas, por isso, estamos tratando de questões multidisciplinares, capacitando delegados a irem atrás de redes de apoio e fazendo com que eles entendam os ciclos de violência que essas mulheres passam, o que não é fácil”, ressalta a delegada.
Manuela Rached Pereira