“Eu entendo a questão técnica de uma mulher que nega, por exemplo, que o medico ausculte o bebê durante o parte. Isso seria uma situação grave em que o médico realmente poderia alegar abuso de direito da mãe, eu diria que realmente ela está extrapolando”, afirma.
A equipe médica acionou o Ministério Público e a promotoria entendeu que bebê e mãe corriam risco. Diante disso, a Justiça deferiu o pedido do MP obrigou a mulher a fazer a cesárea.
“A conduta daquela equipe médica está expressamente amparada pela Resolução. Antes, era necessária uma construção jurídica a partir do Código de Ética Médica. A Resolução facilita a atuação dos médicos em casos semelhantes”, destaca o conselho, em nota.
A Resolução CFM nº 2232/19, publicada em 16 de setembro, substitui uma norma anterior do CFM, de setembro de 1980.
Na resolução anterior havia diversas citações às testemunhas de Jeová que foram retiradas na nova regra. Como muitas testemunhas de Jeová acreditam que não se pode aceitar transfusões de sangue ou doar ou armazenar seu próprio sangue para transfusão, a norma antiga estabelecia regras para a realização desse tipo de procedimento.
Segundo o conselho, a retirada expressa da referência a uma religião foi consequência da implementação de uma regra geral, que se aplica a todos.
“A recusa terapêutica é um direito pessoal, independente dos vínculos religiosos do paciente. A recusa à transfusão de sangue não é, no contexto da nova Resolução, diferente da recusa à amputação de uma perna ou de um braço. Logo, não havia mais necessidade de se tratar especificamente da recusa terapêutica à transfusão de sangue”, explica o CFM.
RESOLUÇÃO Nº 2.232, DE 17 DE JULHO DE 2019
Estabelece normas éticas para a recusa terapêutica por pacientes e objeção de consciência na relação médico-paciente.
O CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, no uso das atribuições conferidas pela Lei nº 3.268, de 30 de setembro de 1957, alterada pela Lei nº 11.000, de 15 de dezembro de 2004, e regulamentada pelo Decreto nº 44.045, de 19 de julho de 1958, e pela Lei nº 12.842, de 10 de julho de 2013,
CONSIDERANDO que a Constituição Federal (CF) elegeu a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República;
CONSIDERANDO o Código Penal (Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940), em especial o inciso I do § 3º do art. 146, que exclui a tipicidade da conduta nos casos de intervenção médica sem o consentimento do paciente, se justificada por iminente perigo de morte;
CONSIDERANDO o disposto no Código Civil (Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2012) em relação à capacidade civil, à autonomia do paciente e ao abuso de direito;
CONSIDERANDO o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990);
CONSIDERANDO que a Lei nº 10.216, de 6 de abril de 2001, assegura direitos e proteção a pessoas com transtorno mental e autoriza sua internação e tratamento involuntários ou compulsórios;
CONSIDERANDO o normatizado pelo Código de Ética Médica em relação aos direitos e deveres dos médicos e a autonomia dos pacientes;
CONSIDERANDO a Resolução CFM nº 1.995/2012, que dispõe sobre as diretivas antecipadas de vontade;
CONSIDERANDO que os Conselhos de Medicina são, ao mesmo tempo, julgadores e disciplinadores da classe médica, cabendo a eles zelar e trabalhar, com todos os meios a seu alcance, pelo perfeito desempenho ético da medicina, pelo prestígio e pelo bom conceito da profissão e dos que a exercem legalmente; e
CONSIDERANDO o decidido na sessão plenária de 17 de julho de 2019, resolve:
Art. 1º A recusa terapêutica é, nos termos da legislação vigente e na forma desta Resolução, um direito do paciente a ser respeitado pelo médico, desde que esse o informe dos riscos e das consequências previsíveis de sua decisão.
Art. 2º É assegurado ao paciente maior de idade, capaz, lúcido, orientado e consciente, no momento da decisão, o direito de recusa à terapêutica proposta em tratamento eletivo, de acordo com a legislação vigente.
Parágrafo único. O médico, diante da recusa terapêutica do paciente, pode propor outro tratamento quando disponível.
Art. 3º Em situações de risco relevante à saúde, o médico não deve aceitar a recusa terapêutica de paciente menor de idade ou de adulto que não esteja no pleno uso de suas faculdades mentais, independentemente de estarem representados ou assistidos por terceiros.
Art. 4º Em caso de discordância insuperável entre o médico e o representante legal, assistente legal ou familiares do paciente menor ou incapaz quanto à terapêutica proposta, o médico deve comunicar o fato às autoridades competentes (Ministério Público, Polícia, Conselho Tutelar etc.), visando o melhor interesse do paciente.
Art. 5º A recusa terapêutica não deve ser aceita pelo médico quando caracterizar abuso de direito.
§ 1º Caracteriza abuso de direito:
I – A recusa terapêutica que coloque em risco a saúde de terceiros.
II – A recusa terapêutica ao tratamento de doença transmissível ou de qualquer outra condição semelhante que exponha a população a risco de contaminação.
§ 2º A recusa terapêutica manifestada por gestante deve ser analisada na perspectiva do binômio mãe/feto, podendo o ato de vontade da mãe caracterizar abuso de direito dela em relação ao feto.
Art. 6º O médico assistente em estabelecimento de saúde, ao rejeitar a recusa terapêutica do paciente, na forma prevista nos artigos 3º e 4º desta Resolução, deverá registrar o fato no prontuário e comunicá-lo ao diretor técnico para que este tome as providências necessárias perante as autoridades competentes, visando assegurar o tratamento proposto.
Art. 7º É direito do médico a objeção de consciência diante da recusa terapêutica do paciente.
Art. 8º Objeção de consciência é o direito do médico de se abster do atendimento diante da recusa terapêutica do paciente, não realizando atos médicos que, embora permitidos por lei, sejam contrários aos ditames de sua consciência.
Art. 9º A interrupção da relação do médico com o paciente por objeção de consciência impõe ao médico o dever de comunicar o fato ao diretor técnico do estabelecimento de saúde, visando garantir a continuidade da assistência por outro médico, dentro de suas competências.
Parágrafo único. Em caso de assistência prestada em consultório, fora de estabelecimento de saúde, o médico deve registrar no prontuário a interrupção da relação com o paciente por objeção de consciência, dando ciência a ele, por escrito, e podendo, a seu critério, comunicar o fato ao Conselho Regional de Medicina.
Art. 10. Na ausência de outro médico, em casos de urgência e emergência e quando a recusa terapêutica trouxer danos previsíveis à saúde do paciente, a relação com ele não pode ser interrompida por objeção de consciência, devendo o médico adotar o tratamento indicado, independentemente da recusa terapêutica do paciente.
Art. 11. Em situações de urgência e emergência que caracterizarem iminente perigo de morte, o médico deve adotar todas as medidas necessárias e reconhecidas para preservar a vida do paciente, independentemente da recusa terapêutica.
Art. 12. A recusa terapêutica regulamentada nesta Resolução deve ser prestada, preferencialmente, por escrito e perante duas testemunhas quando a falta do tratamento recusado expuser o paciente a perigo de morte.
Parágrafo único. São admitidos outros meios de registro da recusa terapêutica quando o paciente não puder prestá-la por escrito, desde que o meio empregado, incluindo tecnologia com áudio e vídeo, permita sua preservação e inserção no respectivo prontuário.
Art. 13. Não tipifica infração ética de qualquer natureza, inclusive omissiva, o acolhimento, pelo médico, da recusa terapêutica prestada na forma prevista nesta Resolução.
Art. 14. Revoga-se a Resolução CFM nº 1.021/1980, publicada no D.O.U. de 22 de outubro de 1980, seção I, parte II.
Art. 15. Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.
CARLOS VITAL TAVARES CORRÊA LIMA