A Gestos – Soropositividade, Comunicação e Gênero lançou nesta sexta-feira (04/10/2019) a campanha “Aborto legal: não julgue, acolha” – que chama atenção da sociedade para a necessidade de dar acolhimento e solidariedade às mulheres que precisam recorrer ao aborto, nos casos previstos em lei. O lançamento da campanha “Aborto legal: não julgue, acolha” faz parte da mobilização internacional pela descriminalização do aborto, iniciada em 28 de setembro (dia de luta pela descriminalização do aborto na América Latina) e encerra a Semana Pela Vida das Mulheres e das Pessoas com Útero.
(Gestos, 07/10/2019 – acesse no site de origem)
Com cartazes, vídeos, mídias sociais, entre outros suportes, a intenção é alertar sobre a situação de milhares de mulheres no Brasil que sofrem com estigma e discriminação por precisarem recorrer ao aborto nos casos determinados pela Constituição Federal. Esta situação muitas vezes impede que as mulheres tenham acesso ao aborto seguro.
No Brasil, o direito ao aborto é garantido em três casos. No caso de risco de morte da mulher grávida; em caso de feto com anencefalia (sem o cérebro); e em caso de a gestação ser resultado de um estupro.
Os movimentos de HIV/AIDS e os movimentos pelo aborto legal e seguro compartilham alguns aspectos em suas demandas como, por exemplo, o princípio da autonomia de cada pessoa sobre seu próprio corpo, como também o enfrentamento do estigma e do preconceito. A Gestos enxerga que existe um perfil que une as pessoas vivendo com HIV/Aids e as mulheres que precisam recorrer ao aborto legal.
Segundo a Pesquisa Nacional do Aborto (2016), os grupos com maior frequência de prática do aborto são as mulheres de menor escolaridade, pretas, pardas e indígenas, das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste do Brasil. Este perfil coincide com o da infecção de mulheres pelo HIV – que também enfrentam dificuldades no acesso aos serviços de saúde e são vítimas de estigma por conta da sorologia.
Com esta campanha, a Gestos quer contribuir para a superação da discriminação contra as mulheres vivendo com HIV e das mulheres que recorrem ao aborto legal. “Temos uma bandeira comum. Tanto para as pessoas que vivem com HIV e Aids, quanto para as mulheres que buscam os serviços que realizam o aborto nos casos previstos em lei, a situação é de estigma e preconceito. O aborto não é planejamento reprodutivo; é sempre uma situação difícil. Entendemos que essas mulheres estão numa situação muito delicada, de bastante sofrimento, e por isso propomos esta reflexão sobre a necessidade do acolhimento”, ponderou Alessandra Nilo, coordenadora-geral da Gestos, durante o lançamento da campanha.
No contexto político brasileiro atual, aumentaram os ataques aos direitos sexuais e reprodutivos, com aumento do espaço para pautas contrárias aos direitos, enquanto as organizações não-governamentais seguem desafiadas a defenderem o acesso a serviços que, por lei, deveriam ser garantidos a todas e todos.
A Gestos entende que esse contexto prejudica e enfraquece ainda mais as populações mais vulneráveis – com maior dificuldades de acessar direitos. Além das mulheres seguirem com acesso limitado aos serviços de saúde sexual e reprodutiva, intensificam-se os ataques à legislação nacional, através de vários projetos de lei que tentam impedir a realização do aborto nos casos já previstos por lei. A assessora de Programas da Gestos, Juliana Cesar, lembrou da dificuldade que as mulheres têm de acessar os serviços disponíveis para realizar o aborto nos casos previstos em lei.
“As mulheres costumam sofrer com o estigma e o preconceito em várias situações, inclusive em casos de aborto espontâneo. Há vários relatos de mulheres que chegaram ao serviço de saúde nestas condições, com sangramento e dores, que são mal tratadas e interrogadas no serviço de saúde antes de receberem o atendimento. Nos casos de interrupção da gravidez previstas em lei no Brasil, muitas vezes as mulheres não têm conhecimento de seus direitos”, detalhou Juliana Cesar, sobre os casos de gravidez decorrente de estupro.
“Nesta situação, para ter acesso ao serviço de saúde, não precisa apresentar boletim de ocorrência, nem exame de corpo de delito. O relato da violência sexual já é suficiente para dar acesso a essas mulheres à interrupção da gravidez. O que acontece é que muitas vezes por medo, por desconhecimento e por se sentirem constrangidas, as mulheres deixam de procurar ou desistem de procurar os serviços de saúde adequados e acabam realizado procedimentos inseguros, colocando em risco suas vidas”, destacou Juliana Cesar.
Dessa forma, a Gestos entende que tanto pessoas que vivem com HIV, quanto as mulheres e pessoas com útero que necessitam acessar serviços legais de aborto seguem alvo de julgamento e têm o direito à saúde prejudicado e, muitas vezes, impedido. A discriminação, o estigma e a violência colocam em risco as vidas dessas pessoas.
É preciso comunicar que negar o direito ao aborto nos casos previstos em lei é um ato de violência. Criminalizar e estigmatizar não impedem que as pessoas se infectem com o HIV, ou precisem abortar. A garantia aos direitos sexuais e reprodutivos é um passo importante para uma sociedade justa. Acolher quem precisa abortar é urgente e pode evitar a morte de muitas mulheres.
Sobre o aborto no Brasil e no Mundo
Estima-se que por ano, no mundo, 25 milhões de abortos inseguros sejam realizados. No Brasil, por ano, 500 mil mulheres fazem aborto. As estatísticas apontam que uma em cada cinco mulheres de até 40 anos já fez um aborto. Destas mulheres, 88% delas professam alguma religião e 67% têm filhos.
Segundo o Ministério da Saúde, só em 2017 foram gastos R$ 50,7 milhões em internações por complicações de abortamentos. Quase 50% das mulheres que realizam abortos inseguro buscam o SUS em condições mais graves e difíceis de tratar. São casos de hemorragia, infecções do trato reprodutivo, infecções do trato genital superior, choque séptico, perfuração de vísceras, traumatismos genitais e sequelas, como a dor pélvica crônica e infertilidade (OMS/2013).
O Ministério da Saúde atesta que o aborto é a 5ª causa de morte materna no país. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), quando realizado em condições adequadas o aborto é mais seguro que um parto. E quanto menor a idade gestacional, mais seguro será o procedimento.
Violência sexual
Dados do IPEA publicados no estudo “Estupro no Brasil: uma radiografia segundo os dados da Saúde”, em 2014, mostram 7,1% dos estupros resultaram em gravidez.
Segundo o Ministério da Saúde informou em 2018, na ADPF 442, entre os anos de 2011 e 2016, 4.262 adolescentes de 10 a 19 anos tiveram uma gestação resultante de estupro e o consequente nascimento do bebê. Esse dado atesta que o direito previsto na lei não está sendo cumprido por várias razões, entre elas, a falta de informações. Desse total de casos, 1.800 meninas estavam na faixa de 10 a 14 anos. Entre 2017 e 2018, 52,8% dos estupros contra mulheres foram cometidos contra meninas menores de 13 anos. Em 68% das ocorrências o autor da violência sexual é um familiar.
No caso de anencefalia, as estatísticas apontam que mais de 400 mulheres têm bebês anencéfalos por ano no Brasil, mesmo com a permissão legal de realizar o aborto nessas condições desde 2012.
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