Enem traz questões que abordam violência contra a mulher, racismo e discurso de ódio nas redes

03 de novembro, 2019

Prova abordou temas como violência contra a mulher, racismo e discurso de ódio nas redes sociais, mas passou longe de questões como a temática LGBT e a ditadura militar

(Estadão, 03/11/2019 – acesse no site de origem)

SÃO PAULO – As questões do primeiro dia do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) abordaram diversos temas ligados aos direitos humanos, como violência contra a mulher, racismo, refugiados, escravidão e discursos de ódio nas redes sociais. No entanto, nenhuma das 90 questões
trouxe, por exemplo, a temática LGBT que foi criticada pelo presidente Jair Bolsonaro na edição passada.

Neste domingo, 3, os candidatos fizeram a redação e 90 questões de Linguagens e Ciências Humanas. O tema da dissertação foi a “Democratização do acesso ao cinema no Brasil”, que os professores de cursinho consideraram “neutro”.

Ausência de conteúdos

Diretor do Cursinho da Poli, Gilberto Alvarez, Diz que a prova manteve o perfil de outros anos, cobrando uma visão crítica do candidato e valorizando a capacidade de leitura e interpretação.

“Em Ciências Humanas, a prova trouxe menos questões de História do que em anos anteriores e em comparação com as outras disciplinas da área. É bem representativo o fato de alguns temas não terem caído, como a Era Vargas e Ditadura. Conteúdos que sempre foram cobrados na prova, diz.

Levantamento feito pelo Estado aponta questões sobre a ditadura militar recorrentes o Exame desde 2009. Outros assuntos polêmicos, como a 2ª Guerra Mundial, Guerra Fria e Nazismo, por exemplo, aparecem ocasionalmente – a última abordagem ocorreu no ano passado. Era Vargas e Revolução Francesa apareceram pela última vez, respectivamente, em 2017 e em 2015.

A avaliação do coordenador editorial de Ciencias Humanas do Sistema de Ensino COC, Fabio Romano, também é de preocupação em relação a uma suposta “neutralidade” da prova, como prometeu o governo. “Foi uma prova com bastante cara de Enem, sem nenhuma grande surpresa em termos
ideológicos, como eles (líderes do atual governo) gostam de falar”.

“Não caiu nenhuma letra de música de Chico Buarque, Caetano Veloso ou texto de (Karl) Marx. Não caiu socialismo. Não teve texto de Olavo de Carvalho”.

João Daniel Almeida, professor de história do Descomplica e de Relações Internacionais da PUC-Rio, diz ter considerado “criativo” alguns dos temas cobrados pelo Enem neste ano, com questões sobre cidades medievais e e Grécia Antiga. “Apesar de serem temas um pouco obscuros, pois não são tão
estudados quanto os mais comuns, se o aluno conseguisse compreender bem o enunciado e as alternativas, que estavam mais rebuscadas, conseguiria acertar a questão. Pois eram basicamente de interpretação.” Almeida destaca outros conteúdos de História que ficaram de fora da prova, como Socialismo e Revolução Francesa.

Cláudio Hansen, gerente pedagógico do Descomplica e professor de geografia e atualidades, notou a ausência de alguns temas que foram recorrentes em anos anteriores, como o governo Vargas, Guerra Fria e a Segunda Guerra Mundial, problemas e conflitos urbanos. “Alguns dos medos que tínhamos em relação a conteúdos deixarem de estar presentes na prova por conta da nova formulação de governo acabaram não se confirmando. Houve questões que travavam como os ireitos das minorias, problemas da concentração de renda, uso dos agrotóxicos brasileiros, isso tudo apareceu na prova”, disse.

O professor de História Guilherme de Franco, do curso Poliedro, avalia que a prova “foi a mais neutra dos últimos anos”. Ele explica que o exame continuou abordando alguns temas sociais, mas pecou em deixar de lado a história contemporânea do Brasil e em não estimular o pensamento crítico sobre os temas. “Nos outros anos, havia questões críticas aos governos militares, ao populismo, à manipulação carismática do governo e à Era Vargas”, afirma. “Tangenciaram assuntos, mas não os aprofundaram”.

Professor de Filosofia e Sociologia do ProEnem, Leandro Vieira disse que a prova abordou vários expoentes da área da Filosofia, como René Descartes, Adam Smith, Francis Bacon e Immanuel Kant, mas que temas que costumavam aparecer na prova de História ficaram de fora. “Temas recorrentes, como Segunda Guerra Mundial, Regime Militar e Era Vargas não apareceram. A prova abordou Grécia Antiga, Renascimento Comercial e teve uma questão sobre a Constituição de 1824. A situação dos refugiados também foi abordada. “Na prova de linguagens, tinha uma questão com uma música do Cazuza, mas não era polemizando”

Vieira também notou uma mudança no perfil dos enunciados e respostas da prova, que eram mais curtos e diretos nesta edição. “As questões eram mais diretas e mais curtas. Tinha respostas com uma palavra só. A prova, em comparação com o ano passado, foi um pouco mais fácil na parte de Humanas, porque exigia um domínio conceitual menor, como guardar nomes e acontecimentos, mas demandava
uma capacidade interpretativa.”

Linguagens

A prova de linguagens neste ano foi mais simples e tranquila que em anos anteriores, avalia o professor de redação e linguagens do curso Poliedro Eduardo Valladares. Ele ressalta que, das 40 questões, o “aluno encontraria uma prova 50% fácil, cinco questões difíceis e o restante mediano”.

Para Eva Albuquerque, professora do cursinho da Poli, as questões de Linguagens não trouxeram surpresas. “O ministro da Educação (Abraham Weintraub) já tinha prometido que não haveria questões polêmicas. Foi uma prova mais fácil, de interpretação de texto. Mas a prova baixou a
temperatura esse ano. Em anos anteriores, a prova estava mais rica, difícil, complexa.”

Uma das críticas também é a falta de questões de análise gramatical, diz o professor de gramática e interpretação do curso Poliedro, Guilherme Reis. “Já é algo do próprio Enem. Sempre tem uma questão ou outra, mas, neste ano, não teve nenhuma”, afirma.

Já a professora Cristiane Goyer, do curso Universitário, ressalta que autores como Hanna Arendt e Hilda Hilst “surpreenderam por trazerem temáticas voltadas para ideologias”. Músicos como Naiara Azevedo e Cazuza, avalia, são um “ponto positivo”: “trouxeram os problemas sociais do cotidiano”.

Língua estrangeira

A prova de Inglês deste ano foi mais “acessível” que a do ano anterior, segundo o professor de Inglês Maurício Sortica, do Fênix Vestibulares. As questões mais difíceis, segundo ele, foram as que trouxeram textos jornalísticos ou poéticos. “A prova do ano passado pediu uma comparação entre dois textos. Neste ano, as mais difíceis foram a da música da Madonna e a da obesidade por conta do vocabulário”, explica. Porém, quem costuma ler artigos estrangeiros deve ter se saído bem. “Os enunciados e alternativas claras também devem ter ajudado o aluno, já que direcionam a leitura do aluno”, diz.

Já a prova de espanhol, na avaliação da professora Larissa Fernandes, do Poliedro, foi “bem parecida com a de Inglês” em relação à dificuldade. “A diferença é que ela não se ancora em textos não verbais, ela foi toda corrida, não tinha imagem”, ressalta.

Por Isabela Palhares, Luiz Carlos Pavão, Paula Felix, Felipe Goldenberg e Heloísa Scognamiglio

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