Na Justiça estadual, elas ocupam 37,5% dos postos de magistratura, mas percentual cai para 20% na 2ª instância
(Folha de S.Paulo, 25/02/2020 – acesse no site de origem)
A proporção de mulheres entre os magistrados estaduais cai conforme a carreira atinge cargos mais altos nos Tribunais de Justiça do Brasil, mostra levantamento feito pela Folha.
Segundo os dados mais recentes do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), de 2018, 37,5% da magistratura estadual é composta por mulheres. No entanto, informações disponíveis nos sites dos Tribunais de Justiça em fevereiro de 2020 apontam que elas são cerca de 20% do total de desembargadores —magistrados que julgam processos de segunda instância.
Maior do Brasil, o Tribunal de Justiça de São Paulo é um dos responsáveis por puxar esse percentual para baixo. São 31 mulheres entre os seus 360 desembargadores, menos de 9% do total.
Há, em São Paulo, mais desembargadores chamados Luiz (32), como primeiro nome ou com nome composto, do que mulheres (31). Isso sem contar outros sete magistrados chamados Luís, com a letra “s”.
No estado, a remuneração média dos magistrados, incluindo salários e penduricalhos como auxílios e abonos, foi de R$ 56 mil mensais de janeiro a julho de 2019. Normalmente, juízes são promovidos ao cargo de desembargador pelos critérios de antiguidade e de merecimento.
Em apenas um dos 27 Tribunais de Justiça do país as mulheres ultrapassam os colegas homens, o do Pará. Na Bahia, quase a metade dos 61 desembargadores são mulheres. Todos os outros estados e o Distrito Federal têm menos de 35% de mulheres nas suas cortes.
Nenhum dos tribunais estaduais do país é presidido, atualmente, por uma mulher.
Mesmo na Bahia, com situação mais equilibrada que o restante, todos os seis cargos da mesa diretora (presidência, duas vice-presidências, corregedoria-geral e corregedoria das comarcas do interior) são ocupados atualmente por homens.
Em cinco estados (Rondônia, Alagoas, Amapá, Piauí e Pernambuco) há apenas uma desembargadora integrando cada umas das cortes. Levando em conta a proporção entre os gêneros, a situação é mais desigual em Pernambuco: das 52 vagas, apenas 1 (2%) é ocupada por uma magistrada.
O segundo maior TJ do país, do Rio de Janeiro, tem 180 desembargadores, metade da quantia de São Paulo, mas com o dobro de mulheres (61) em relação à corte paulista. A proporção (34%) é maior que a média do país.
Também é difícil encontrar uma mulher na elite dos desembargadores paulistas. Até hoje, o Órgão Especial do TJ-SP, que reúne os 25 magistrados de cúpula (o presidente, 12 dos mais antigos e 12 eleitos), nunca teve uma titular oriunda da magistratura.
Membros da advocacia e do Ministério Público, porém, também podem se tornar desembargadores. Assim, Maria Cristina Zucchi é a única mulher a se tornar uma titular do Órgão Especial —por eleição de seus pares, já que veio da advocacia. Houve também juízas que substituíram titulares.
A desigualdade no tribunal paulista, no entanto, vem se reduzindo lentamente. Em 2005, como mostrou reportagem da Folha à época, havia apenas 8 mulheres entre os 332 desembargadores (2%).
Uma delas era Angélica de Maria Mello de Almeida, 73. Desembargadora há 24 anos, foi a terceira mulher a integrar o TJ paulista e a primeira a fazer parte de uma câmara criminal.
Antes de se juntar ao tribunal, foi advogada criminalista por 25 anos, em ambiente também dominado por homens. A experiência na advocacia, ela conta, a preparou para enfrentar um colegiado quase 100% masculino.
“O contexto cultural existente na época era de que era uma atividade eminentemente masculina. Hoje a situação é diferente, ainda bem”, diz.
Chefe da Comesp (Coordenadoria da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar), Angélica afirma que a presença de mulheres na magistratura foi fundamental para a construção de políticas de implementação da Lei Maria da Penha, aprovada em 2006.
“Eu acho que participação da mulher na magistratura dá um olhar diferenciado, de uma vivência diferenciada, e desconstrói mitos e a ideia de que a mulher não pode exercer determinadas funções por ser mulher. Essa proibição é construída culturalmente e não diz respeito à realidade.”
Ela também ressalta como medida positiva a adoção de cotas para negros nos concursos para juízes, implantadas a partir de resolução de 2015 do CNJ. “O corte de gênero e racial é necessário para refletir como é constituída a sociedade”, diz.
Magistrada que chegou a ser substituta do Órgão Especial em 2017, Maria Lúcia Pizzotti disse que já teve que enfrentar diversas vezes situações de machismo durante sua carreira na magistratura.
“As minhas colegas não gostam quando digo isso, mas acho engraçado que tem umas juízas e desembargadoras que falam ‘eu nunca sofri machismo’. Pois eu digo: ‘Parabéns, eu não acho que você está falando a verdade'”, afirmou Pizzotti à reportagem em novembro.
Ela diz que, quando chegou à magistratura, no fim dos anos 1980, ouviu muito a frase “isso aqui vai virar professorado”. Diz que ouvia outros juízes afirmarem que “mulher não é a cabeça do casal, não é a mantenedora do lar e não é quem vai ter que bancar a casa, então os salários vão acabar caindo”.
“Tem muita gente que até hoje pensa isso, não fala mais porque é politicamente incorreto”, afirmou.
No levantamento “Diagnóstico da Participação Feminina no Poder Judiciário”, do CNJ, a entidade aponta que em toda a Justiça brasileira (que inclui a estadual), as mulheres eram 38,8% em 2018.
Em 1988, ano no qual a atual Constituição foi promulgada, esse percentual era de 24,6%.
Atualmente, o índice mais baixo de mulheres é o da Justiça Militar (3,7%), seguido dos tribunais superiores, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) e o STF (Supremo Tribunal Federal), com 18%.
Há igualdade apenas na Justiça do Trabalho, em que 50,5% dos magistrados são mulheres.
Por José Marques e Flávia Faria