Em 21 de março é comemorado o Dia Internacional contra a Discriminação Racial, instituído pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1966, em homenagem à luta e memória dos manifestantes assassinados no que ficou conhecido como “Massacre de Shaperville”, em 21 de março de 1960.
Por Ana Gabriela Primon
(Blog Estadão, 18/03/2020 – acesse no site de origem)
Na ocasião, cerca de 20 mil pessoas protestavam em Joanesburgo, na África do Sul, contra a “lei do passe”, que obrigava os negros a portarem identificações que limitavam os locais por onde poderiam circular dentro da cidade, quando foram atacadas por tropas militares do Apartheid. 69 pessoas morreram e centenas ficaram feridas.
O Brasil é um país de grande diversidade étnica, possuindo a maior população negra fora da África do mundo e posicionando-se como defensor da promoção da igualdade racial nos foros internacionais.
Os números do mercado de trabalho brasileiro, contudo, evidenciam, ainda, uma grande desigualdade racial no país: a população considerada negra, preta e parda soma 64,6% do total de pessoas desempregadas segundo dados da Pesquisa Nacional Por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD-Contínua), feita no 4º trimestre de 2018.
Ainda, segundo dados do IBGE (2018), pessoas brancas ganham, por hora, 68% a mais do que pretas e pardas.
Apesar de existir um longo caminho a percorrer, a promoção de diversidade e inclusão tem passado a integrar a preocupação das organizações, estando atrelada a programas de compliance das empresas e elencada como um de seus valores éticos, alinhada, em geral, às normas de conformidade da empresa.
No que tange aos processos de recrutamento e seleção, diferentes metodologias podem ser aplicadas às empresas que desejam associá-los a diversidade e inclusão, focadas não só na questão racial.
Uma das práticas que vem sendo adotada por grandes companhias, de diferentes ramos, em processos de recrutamento e seleção é o blind recruitment, ou recrutamento às cegas.
Nesse processo de seleção não são solicitadas informações como nome, idade, gênero, escolaridade, fotos e outros dados que podem ser usados em desfavor da diversidade.
Essa modalidade também não permite entrevista pessoal ou por vídeo com os candidatos (ao menos numa primeira etapa), sendo baseada unicamente na análise de habilidades e competências do candidato e verificação de atendimento aos requisitos da vaga.
A empresa pode, ainda, optar por ações afirmativas, estabelecendo cotas ou metas internas para contratação de pessoas pertencentes a determinados grupos geralmente preteridos em processos de recrutamento e seleção.
Neste caso, será necessário requisitar informações que tracem um perfil do candidato, de modo a garantir a compatibilidade dos candidatos selecionados com os grupos que se pretende atingir e contratar com essa política.
Algumas empresas estão optando por estipular um percentual mínimo de diversidade necessária (gênero, raça, deficiência) para que um processo possa seguir para a fase de entrevistas. Determinadas normas coletivas já possuem cláusula estabelecendo cotas para outros grupos, tais como negros e LGBTQ+, do que se denota a importância da atuação dos sindicatos para a promoção de diversidade e inclusão nas organizações.
Válido ponderar que, na hipótese de se instituir ações afirmativas e, por conseguinte, se fazer necessário obter informações que garantam o atingimento da cota ou meta estabelecida internamente, há informações que, mesmo nesse caso, não devem ser solicitadas aos candidatos.
Por envolverem questões de foro íntimo e que podem ser entendidas como violação constitucional à intimidade e à vida privada, direitos invioláveis nos termos do artigo 5º, X da CF/88. Ou mesmo serem tidas como discriminatórias, como, por exemplo, idade, estado civil, etnia, religião, etc.
Além disso, a solicitação de dados pessoais sensíveis deve ser evitada na fase de recrutamento e seleção, de modo a adequar os processos internos à Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que entrará em vigor em 17/9/2020.
Para não incorrer em qualquer violação, obter suporte e imprimir maior eficácia às ações afirmativas, departamentos de Recursos Humanos têm optado pela contratação de empresas especializadas em diversidade e inclusão.
Ou, ainda, por firmar parcerias com organizações do terceiro setor, que possuem um banco de talentos com perfis específicos e intermedeiam esse recrutamento e seleção. Pois, nesse caso, as informações mais sensíveis – e que permitem a assertividade na contratação – foram fornecidas espontaneamente pelos candidatos.
Um exemplo é o Projeto Afrobras, que tem como uma de suas ações a reunião de currículos de negras e negros em uma plataforma, de modo a promover inclusão desse grupo no mercado de trabalho.
Há, também, perguntas que devem ser evitadas quando se busca efetuar uma seleção associada à diversidade, seja qual for o método de recrutamento e seleção escolhido. É o caso, por exemplo, de se perguntar o último salário do entrevistado.
Isto porque as empresas já têm uma remuneração definida para a posição, ainda que com alguma margem de variação. Ao excluir esse questionamento, evita-se beneficiar pessoas pela sua condição, bem como discriminar outras, tornando o recrutamento e seleção ainda mais objetivo.
Recomenda-se, também, não questionar a instituição de ensino em que o candidato se formou, eis que a seleção apenas de pessoas formadas em instituições de “primeira linha” é um critério excludente, pois a possibilidade de acesso a essas escolas não é igual a todos os membros da sociedade.
Quanto às medidas de atração e desenvolvimento interno, a serem adotadas por ocasião do processo de recrutamento e seleção, é interessante tornar públicas políticas internas associadas a diversidade e inclusão. Uma vez que podem incentivar a participação no processo seletivo de pessoas que se sintam beneficiadas por essas ações, gerando, assim, uma maior diversidade de candidatos.
Se a empresa, por exemplo, possui uma política voltada para a promoção de equidade de gênero, mais mulheres poderão se sentir atraídas a preencher uma vaga na organização.
Essa divulgação pode ser feita através de redes sociais, página de “Trabalhe Conosco” da empresa ou mesmo ser informado no próprio anúncio da vaga, de modo que potenciais candidatos tenham ainda mais interesse em trabalhar na empresa.
Bem de ver, portanto, que há atualmente diversas metodologias e ferramentas disponíveis para se implementar diversidade e inclusão nas organizações, cabendo às lideranças a decisão de institucionalizá-las e promover o engajamento interno, para que as práticas sejam efetivas e promovam real igualdade.
Ana Gabriela Primon, sócia do escritório Granadeiro Guimarães Advogados