Iniciativas buscam socorrer mulheres que sofrem abuso físico e psicológico do parceiro, número que vem crescendo no isolamento
(Trip, 03/04/2020 – acesse no site de origem)
A recomendação para ficar dentro de casa a fim de conter o avanço do coronavírus acendeu o alerta para outra epidemia que pode se agravar: a da violência doméstica. “Estamos falando de mulheres em isolamento social com o agressor, de um momento de tensão, ansiedade, dificuldades financeiras. É um cenário extremamente propenso para que essa violência aconteça e fique no silêncio”, diz a major Denice Santiago, que, até o mês passado, comandou a Ronda Maria da Penha, em Salvador, que acompanha 2 mil mulheres sob medida protetiva. Para ela, a falta de uma rede de apoio é preocupante: “Com o isolamento, nem o vizinho vai poder ir até a porta dela para ajudar”.
Em nível nacional, as autoridades já perceberam um aumento do número de denúncias de violência contra a mulher. De acordo com a Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, houve um aumento de quase 9% de ligações para o canal que recebe esse tipo de denúncia, entre os dias 17 e 25 de março. Nesta quinta-feira (2), durante uma coletiva de imprensa no Palácio do Planalto, Damares Alves, à frente do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, disse que está preocupada com a situação e que o governo prepara o lançamento de um aplicativo para celular para o envio de denúncias.
esde o início do período de confinamento, a Justiça do Rio de Janeiro registrou o aumento de 50% de denúncias de violência doméstica. “Entre 60 e 70% da demanda do plantão, infelizmente, são mulheres que estão precisando de uma proteção imediata, de uma medida protetiva. Muitas podem estar correndo risco de sofrer uma violência mais grave e até o feminicídio”, alertou Adriana Mello, juíza titular da Vara de Violência Doméstica, em entrevista para o telejornal RJ2, no dia 23 de março.
Em São Paulo, não há informações precisas sobre o aumento do número de casos e a subnotificação preocupa as autoridades. “Percebi que houve uma diminuição da procura por delegacias, por medidas protetivas. As mulheres não estão conseguindo sair de casa para fazer boletim de ocorrência e pedir proteção”, conta a promotora de Justiça Gabriela Manssur. A Secretaria de Segurança Pública liberou nesta quinta-feira (2) o registro de boletins de ocorrência on-line para casos de violência doméstica, que antes só podiam ser feitos na delegacia. “Isso vai ajudar muito essas mulheres. Aí sim poderemos medir se houve ou não aumento da violência durante a quarentena”, diz Gabriela.
O sistema da Delegacia Eletrônica ainda está sendo adaptado para a nova demanda, e, por enquanto, é possível registar denúncias nas categorias “Injúria, calúnia ou difamação” ou “Outras ocorrências”. No caso de lesão corporal, a polícia poderá entrar em contato e orientar a vítima a fotografar e filmar as marcas das agressões.
Redes de apoio
Mesmo com a barreira do distanciamento físico, é possível tomar algumas atitudes para ajudar mulheres que sofrem violência dentro de casa. A antropóloga Heloíse Fruchi, criadora da Icamiaba, iniciativa que promove oficinas de autodefesa para mulheres e LGBTQI, gravou um vídeo para o seu canal no YouTube explicando como intervir durante o confinamento.
Entre as sugestões, ela recomenda que, além de ligar para o 180 (Central de Atendimento à Mulher em Situação de Violência), é importante manter contato com a mulher agredida diariamente, ouvi-la sem julgamentos, mostrar que existem formas de estar mais protegida, por exemplo, buscando instituições que ofereçam auxílio jurídico e psicológico. Outra dica é conversar com vizinhos que estejam no mesmo grupo de WhatsApp e buscar parcerias que possam ajudar a agredida caso haja alguma situação de violência.
Com a ideia de conectar as vítimas a uma rede de apoio e acolhimento gratuita, Gabriela, que trabalha há anos com projetos que visam proteger a mulher agredida, lançou a iniciativa As Justiceiras, em operação desde o dia 24 de março. Por meio de um contato de WhatsApp, mulheres em situação de violência doméstica podem se conectar com uma das 700 voluntárias e receber apoio e orientação jurídica, psicológica, socioassistencial e médica destas profissionais. A iniciativa é uma parceria entre Instituto Justiça de Saia (criado pela promotora), com o Instituto Nelson Wilians e o Instituto Bem Querer Mulher e tem como lema “fique em casa, mas saia da violência doméstica”.
Por Carol Ito