Levantamento feito pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais releva que 26 casos foram noticiados nos meses de março e abril, quando a pandemia se agravou no Brasil
(Celina/O Globo, 06/05/2020 – acesse no site de origem)
Uma rápida busca na internet revela a crueldade vivenciada pelas mulheres trans e travestis no Brasil. “Travesti é morta a facadas”, “transexual é encontrada morta dentro de casa”, “travesti é assassinada por adolescente em ponto de ônibus”. Todas as manchetes são de notícias publicadas nos meses de abril e março de 2020. Neste período, desde que o isolamento social começou a ser adotado para conter a pandemia de coronavírus, foram registrados 26 casos de assassinatos de mulheres trans e travestis no país. Um aumento de 13% em relação ao mesmo período do ano passado, segundo a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra).
A associação considera que aumento no número de assassinatos de pessoas trans registrados contrariou as expectativas de redução de casos neste período de isolamento social, assim como ocorreu com outras parcelas da população.
“Quando vemos que o assassinato de pessoas trans aumentou, temos um cenário onde os fatores sociais se intensificam e tem impactado a vida das pessoas trans, especialmente as travestis e mulheres transexuais trabalhadoras sexuais, que seguem exercendo seu trabalho nas ruas para ter garantida sua subsistência, visto que a maioria não conseguiu acesso às políticas emergenciais do estado”, diz o relatório.
Há quatro anos a Antra monitora as mortes de pessoas trans no Brasil. Os números são divulgados anualmente, em janeiro, mês da Visibilidade Trans. Neste ano, a entidade decidiu divulgar boletins bimestrais e quadrimestrais, trazendo um panorama da situação em geral.
Somente nos dois primeiros meses do ano, o aumento no número de assassinatos em relação ao mesmo período do ano passado foi de 90%. Em 2019, foram 20 casos e, em 2020, 38 – o maior para o período nos últimos quatro anos, segundo o monitoramento.
Até o momento, todas vítimas em 2020 são travestis e mulheres transexuais. “As travestis profissionais do sexo, em sua maioria negras e semianalfabetas que desempenham sua função na rua, enfrentam diversos estigmas no país que mais assassina pessoas trans do mundo”, escreveu a secretária de articulação política da Antra, Bruna Benevides, no relatório. À Celina, ela disse que o esvaziamento das ruas em função das medidas de isolamento social favorece a atuação de “pessoasl mal intencionadas” e dificulta o registro de ocorrências.
— Não que a prostituição seja uma atividade perigosa, os maiores índices de violência no Brasil estão dentro de casa. Mas as pessoas que buscam as travestis seguem o rito de tentar apagar qualquer vestígio deste envolvimento ”pecaminoso ou abjeto”, indo até as últimas consequências para que não sejam descobertos — explicou Benevides.
Ela também ressaltou a baixa incidência de identificação e prisão dos suspeitos nos casos de assassinato de pessoas trans e a falta de um procedimento ou critério instituído para o atendimento dessas ocorrências. — Não há rigidez na atuação de casos envolvendo pessoas trans por um preconceito anterior, muitas vezes a culpa é imposta à vítima pelo assassinato — afirmou.
A Antra releva que, nos quatro primeiros meses de 2020, também foram notificados 11 suicídios, 22 tentativas de homicídio, 21 violações de direitos humanos, além de 6 casos de mortes relacionadas à Covid-19. A associação denuncia a falta de uma política específica para a população LGBT+ durante a pandemia.
Em janeiro, a Antra publicou o levantamento dos assassinatos noticiados ao longo de 2019, como faz todos os anos. O dossiê revelou que apesar de uma queda no número de mortes registradas ao longo do ano passado, o Brasil segue sendo o país que mais mata travestis e transexuais do mundo, segundo a ONG Transgender Europe. Além disso, a associação destaca que o país do 55º lugar, em 2018, para o 68º em 2019 no ranking de países seguros para a população LGBT+.
A associação alerta ainda que os números trazidos em seu relatório não refletem exatamente a realidade, em função da provável subnotificação dos casos e da ausência de dados governamentais sobre esses crimes — os monitoramentos são feitos por organizações de defesa de direitos LGBT+, como a Antra ou o Grupo Gay da Bahia.
Por Leda Antunes