Rede Médica Pelo Direito de Decidir repudia revogação da nota técnica sobre acesso à saúde sexual e reprodutiva durante pandemia

10 de junho, 2020

Rede Médica Pelo Direito de Decidir – Nota de posicionamento

Em defesa das ações em saúde sexual e reprodutiva no contexto da pandemia da Covid-19 e repúdio à revogação da Nota Técnica N° 16/2020 – COSMU/CGCIVI/DAPES/SAPS/MS

A Rede Médica pelo Direito de Decidir – Global Doctors for Choice/Brasil organização vinculada à rede internacional de médicos e articulada em mais de 25 países ao redor do mundo, comprometidos com a defesa dos direitos humanos e com a prestação de cuidados médicos da mais alta qualidade, fundamentados na ciência. Por meio da defesa de políticas públicas e práticas médicas baseadas em evidências, nos esforçamos para proteger e expandir o acesso a cuidados abrangentes em saúde reprodutiva para mulheres e meninas.

Vimos a público manifestar nossa discordância em relação a revogação da Nota Técnica 16/2020 – COSMU/CGCIVI/DAPES/SAPS/MS e nossa profunda preocupação com a possibilidade de desativação mesmo que parcial ou temporária dos serviços de atenção à saúde sexual e reprodutiva no Brasil para fazer frente a pandemia da COVID-19.

Causa-nos estranheza e perplexidade que as recomendações ali apontadas na Nota Técnica, muito bem embasadas cientificamente e já amplamente estabelecidas em recomendações por organismos internacionais, tais como, a Organização Mundial da Saúde (OMS), a Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia (FIGO), sejam suspensas em flagrante prejuízo à saúde sexual e reprodutiva das mulheres brasileiras. 1,2

O Relatório do Fundo Populacional da Organização das Nações Unidas (UNFPA/ONU) apontou que cerca de 47 milhões de mulheres em países de renda baixa e média, ficarão sem acesso a métodos anticoncepcionais e projeta-se cerca de 7 milhões de gestações indesejadas nos próximos seis meses 3. Portanto, a garantia do acesso a métodos modernos de contracepção, particularmente os de alta eficácia às mulheres e adolescentes brasileiras é especialmente importante durante a pandemia da COVID-19, tendo em vista as possíveis graves consequências para a saúde materna e fetal da infecção pelo Sars-COV-2.

Realçamos ainda, a vergonhosa desigualdade de gênero em nosso país e a trágica realidade de mulheres e meninas vítimas de violência sexual, sendo 1 estupro a cada 10 minutos no Brasil. 4 Muitas mulheres e adolescentes acabam ficando grávidas de seu violador, configurando a segunda violência. O aborto previsto em lei está garantido como direito das mulheres brasileiras nos seus permissivos legais e garantidos constitucionalmente, quando houver risco à vida da mulher, diante de uma gestação decorrente de estupro 5 e na situação de feto anencefálico, e portanto, configura-se como cuidado essencial para a saúde das mulheres e deve ser a elas garantido, principalmente durante a pandemia.

Ao contrário, o atraso no acesso aos serviços de aborto previsto em lei pode acarretar maior custo ao sistema de saúde. Sabemos que quanto mais precoce, mais rápido e seguro é o procedimento.

Neste sentido, reafirmamos que devem ser considerados como serviços essenciais e ininterruptos a nossa população, os serviços de atenção integral à violência sexual com acesso ao aborto legal e seguro; a prevenção e tratamento de infecções sexualmente transmissíveis, o acesso à contracepção de emergência; e, sobretudo, incluindo a contracepção com métodos modernos e de alta eficácia como uma necessidade essencial.

Recomendamos aos gestores públicos, aos toco-ginecologistas, aos médicos de família e comunidade, e todos aqueles que por sua interface profissional estejam envolvidos na atenção a saúde sexual e reprodutiva, que continuem a atenção as mulheres brasileiras de forma acolhedora e organizem seus programas de maneira a garantir seus direitos reprodutivos nos seguintes termos:

  1. O uso de métodos contraceptivos reversíveis de alta eficácia e longa duração (LARCs) tais como os dispositivos intrauterinos (DIU) e implantes de etonogestrel devem ser incentivados 2.
  2. As diretrizes de início rápido (em qualquer dia do ciclo menstrual) dos métodos contraceptivos devem ser observadas pelos ginecologistas e obstetras 6.
  3. Os serviços de planejamento familiar e os ginecologistas e obstetras devem procurar organizar seus processos de trabalho de maneira a evitar o deslocamento e a aglomeração de mulheres em busca de métodos contraceptivos:
    1. história clínica e aconselhamento podem ser realizados remotamente, de acordo com as recomendações da PORTARIA No 467, DE 20 DE MARÇO DE 2020 do Ministério da Saúde;
    2. as consultas para exame clínico e inserção de dispositivos e implantes devem ser agendadas com horário marcado, evitando-se aglomerações;
    3. os exames complementares desnecessários (tais como ultrassonografia para checagem do posicionamento do DIU, exames para confirmação de gravidez quando é possível a exclusão da mesma pela história clínica) devem ser evitados;
    4. a educação em saúde para que a própria mulher possa realizar a checagem dos fios dos dispositivos intrauterinos deve ser incentivada e pode ser realizada remotamente por telessaúde 8.
    5. a disponibilização de materiais educativos sobre os métodos contraceptivos em linguagem clara e acessível deve ser utilizada para facilitar o aconselhamento em consultas por telessaúde.

4) O uso do dispositivo intrauterino de cobre (DIU TCu) como método para contracepção de emergência (até cinco dias ou 120 horas da relação sexual desprotegida) deve ser incentivado.9

Nosso total apoio e consideração à Equipe da Área Técnica de Saúde da Mulher e Ciclos de Vida pela relevância e embasamento científico da Nota Técnica No 16/2020 – COSMU/CGCIVI/DAPES/SAPS/MS.

Helena Borges Martins da Silva Paro – CRM/MG 37.708 – Professora da Universidade Federal de Uberlândia; Rede Feminista de Ginecologistas e Obstetras; Rede Médica pelo Direito de Decidir

Cristião Fernando Rosas – CRM/SP 36.696 – Médico Toco-Ginecologista e Coordenador da Rede Médica pelo Direito de Decidir– Global Doctors For Choice/Brasil.

(Acesse aqui o PDF da nota de posicionamento da Rede Médica Pelo Direito de Decidir)

Referências

1. WORLD HEALTH ORGANIZATION (WHO). Clinical management of severe acute respiratory infection (SARI) when COVID-19 disease is suspected: Interim guidance – 13 March 2020. Geneva: WHO, 2020.

2. INTERNATIONAL FEDERATION OF GYNECOLOGY AND OBSTETRICS (FIGO). Sexual Reproductive Health in humanitarian settings during COVID-19. 30 March 2020. Disponível em: https://www.figo.org/srh-humanitarian-settings-during-covid-19

3. UNFPA. Pandemia pode prejudicar acesso de mulheres a contraceptivos, alerta 29 abr 2020. Disponível em: https://nacoesunidas.org/pandemia-pode-prejudicar-acesso-de-mulheres-a-contraceptivos-alerta-unfpa/. Acesso em 09 jun 2020.

4. Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Anuário Brasileiro de Saúde Pública 2019.

5. BRASIL. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Decreto-Lei 2.848 de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Diário Oficial da União, 1940.

6. FACULTY OF SEXUAL AND REPRODUCTIVE HEALTH OF THE ROYAL COLLEGE OF OBSTETRICIANS AND GYNAECOLOGISTS. FSRH Guideline: Quick Starting Contraception. London: FSRH, 2017.

7. BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. PORTARIA No 467, DE 20 DE MARÇO DE 2020. Dispõe, em caráter excepcional e temporário, sobre as ações de Telemedicina, com o objetivo de regulamentar e operacionalizar as medidas de enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional previstas no art. 3o da Lei no 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, decorrente da epidemia de COVID-19. DOU 23/03/2020, Edição: 56-B, Seção: 1 – Extra, Página: 1. Brasília, 2020.

8. FACULTY OF SEXUAL AND REPRODUCTIVE HEALTH OF THE ROYAL COLLEGE OF OBSTETRICIANS AND GYNAECOLOGISTS. CEU Guidancce: Intrauterine contraception. April 2015 (Amended September 20109). London: FSRH, 2019.

9. FACULTY OF SEXUAL AND REPRODUCTIVE HEALTH OF THE ROYAL COLLEGE OF OBSTETRICIANS
AND GYNAECOLOGISTS. FSRH Guideline: Emergency Contraception. London: FSRH, 2017.

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