(Folha de S.Paulo) Grávida de sete meses de uma menina, Elisângela Pereira da Silva, 32, foi presa em flagrante em novembro. A suspeita: furtar um chuveiro, duas bonecas e quatro xampus das lojas Americanas do centro de São Paulo.
Levada a uma prisão superlotada, o Centro de Detenção Provisória de Franco da Rocha, região metropolitana, Elisângela deu à luz no sábado em um hospital da cidade vizinha Francisco Morato.
Horas após o parto, ela foi algemada pela perna e pelo braço direito à cama, conforme revelou anteontem o “Jornal da Record”, da TV Record.
Um vídeo com três minutos de duração, gravado dentro do Hospital Estadual Professor Carlos da Silva Lacaz, mostra o tratamento dispensado a Elisângela no pós-parto.
Nas imagens, Elisângela exibe o corte da cesariana a que havia sido submetida.
“O parto é um momento singular na vida de uma mulher que precisa ser respeitado”, diz César Eduardo Fernandes, presidente da Sogesp (Associação de Obstetrícia e Ginecologia de São Paulo).
Segundo o obstetra, no caso de uma detenta, o ideal seria usar outros meios de coibir uma eventual fuga como, por exemplo, aumentar o número de pessoas da escolta.
Em novembro de 2011, a Folha revelou relatos de detentas que davam à luz algemadas no Estado de São Paulo.
À época, o governo paulista negou o uso de algemas durante o parto ou depois dele.
Segundo resolução da ONU de 2010, da qual o Brasil participou da redação, é vedado o uso de instrumentos de contenção no trabalho de parto, durante o parto ou depois.
No caso de Elisângela, as autoridades dizem que ela foi algemada no dia seguinte ao parto após morder a mão direita de uma agente penitenciária que fazia a escolta.
Depois de ser liberada do hospital na segunda, Elisângela voltou ao presídio e sua filha ficou na UTI neonatal por ter nascido com sífilis.
Ontem, ao atender pedido de liberdade provisória da defensora pública Tatiana Mendes Simões, que cuida do caso de Elisângela, o juiz Marcos Alexandre Coelho Zilli determinou a liberação da presa, que passará a responder ao processo em liberdade.
A Defensoria Pública, o Grupo Tortura Nunca Mais e o MNDH (Movimento Nacional de Direitos Humanos) pediram investigação do caso.
“Temos inúmeros relatos sobre o uso de algemas. Mas esse caso é concreto. O vídeo prova tudo. Isso pode se enquadrar em crimes de abuso de autoridade, agressão ou até tortura”, diz Carmen Silvia de Moraes Barros, do Núcleo Especializado de Situação Carcerária da Defensoria.
JUSTIÇA
Uma súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal diz que o uso de algemas em qualquer tipo de preso deve ser excepcional e fundamentado
MEDICINA
O Conselho Regional de Medicina de SP afirma que a algema não pode ser usada, porque, no momento do parto, a mulher não apresenta risco de fuga. Após o parto, o ideal é que a mãe seja apenas acompanhada por uma escolta feminina -a algema deve ser o último recurso
DIREITOS HUMANOS
Documento da ONU intitulado “Regras Mínimas para Tratamento da Mulher Presa” condena o uso de qualquer instrumento de contenção na mãe durante e após o trabalho de parto
POLÍTICA PRISIONAL
A Constituição do Estado de São Paulo afirma, no artigo 143, que a legislação penitenciária assegurará o respeito às regras da ONU
Veja o vídeo em folha.com/no1042709
Acesse o pdf:
SPM pede providências a governador sobre caso de presa algemada após o parto em hospital (SPM – 02/02/2012)
Vídeo mostra presa algemada no pós-parto (Folha de S.Paulo – 02/02/2012)
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