A promotora Silvia Chakian, do Ministério Público de São Paulo, escreve sobre a trajetória da lei até aqui, e comenta sobre as respostas fáceis que afastam a legislação de seu objetivo, o de educar a sociedade a proteger meninas e mulheres
(Marie Claire | 06/08/2021 | Por Silvia Chakian)
Principal marco legislativo na conquista dos direitos das mulheres no país, a Lei 11.340/06, conhecida como Lei Maria da Penha, completa 15 anos este mês. Ela ganhou esse nome depois da responsabilização internacional do Estado brasileiro pela inércia no caso da cearense Maria da Penha Fernandes. À época, passados mais de 15 anos das duas tentativas de homicídio praticadas por seu ex-marido, que a deixaram paraplégica, seu processo se arrastava sem decisão definitiva.
Mas tão ou mais importante que enaltecer a luta de Maria da Penha é reconhecer que a legislação decorre, principalmente, de intensa mobilização dos movimentos de mulheres e especialistas, que souberam utilizar o contexto favorável trazido pela nova ordem constitucional e internacional para promover a movimentação político-jurídica que oficializou a responsabilidade do Estado na garantia dos direitos humanos das mulheres – incluindo o de viver sem violência. Com isso, foi possível a construção de uma legislação abrangente, destinada a todas as mulheres, independentemente de raça, etnia, classe, orientação sexual, cultura, nível educacional, idade e religião, capaz de mudar o paradigma de tolerância no trato da violência doméstica até então vigente no país. Assim, barbaridades como as vividas por Maria da Penha deixaram de ser vistas como questão do foro íntimo para finalmente serem tratadas como questão de Estado.
Nesse ponto, a definição de Fabiana Severi para a Lei Maria da Penha não poderia ser mais feliz: um projeto jurídico feminista que cria parâmetros para a construção de políticas públicas nas três esferas de poder, e garantia do dever de diligência para prevenção, investigação, punição e reparação da violência doméstica e familiar contra as mulheres. Ao justificar a escolha do termo, a autora destaca que, entre os compromissos da lei, está a noção de justiça social, por meio da qual a resposta para o fenômeno da violência doméstica não está apenas na criminalização, mas sim no reposicionamento das mulheres na sociedade brasileira, em termos de acesso a direitos humanos.