A Lei Maria da Penha completa 15 anos e ainda provoca desafios, por Lourdes M. Bandeira

11 de agosto, 2021

A cada ano, a LMP vai perdendo prioridade, força e recursos orçamentários, à medida em que está sendo relegada a segundo plano pelo governo federal

(Fonte Segura | 11/08/2021 | Por Lourdes M. Bandeira)

A Lei no. 11.340/2006, assinada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no Palácio do Planalto, na presença da Maria da Penha, em um gesto político, afirmou: de agora em diante será chamada de Lei Maria da Penha (LMP). Acaba de completar 15 anos, em vigor desde então.

Fruto de uma longa luta feminista, foi inovadora ao incorporar no conceito as dimensões da violência física, sexual, psicológica, patrimonial e moral, como diretos humanos das mulheres. Foi criada em conformidade com a Constituição Federal/1988 (art. 226, § 8°) e com o tratado internacional ratificado pelo Estado brasileiro estabelecido pela Convenção de Belém do Pará, 1994. É a lei mais conhecida do Brasil, e seu texto tem sido inspirador à elaboração de leis similares, sobretudo no contexto da América Latina.

A legislação seguiu as diretrizes da Declaração sobre a Eliminação da Violência contra as Mulheres, Resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas (1993): A violência contra as mulheres é uma manifestação de relações de poder historicamente desiguais entre homens e mulheres que conduziram à dominação e à discriminação contra as mulheres pelos homens e impedem o seu pelo avanço.

Caracterizada como uma legislação específica ao combate à violência contra a mulher, vem apresentando efetividade escassa, uma vez que os números escancaram a triste realidade de quem enfrenta todos os dias situações de estupros, assédios, ameaças e até mesmo a morte violenta, configurando crimes de feminicídio pelo simples fato de ser mulher.

Segundo informações divulgadas pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (2021), a cada ano os dados se tornam mais alarmantes em relação às mortes violentas de mulheres, sendo que a maioria atinge as mulheres negras. Em 2020, no Brasil, foram registrados 3.913 crimes de morte de mulheres, e destes, 1.350 foram tipificados como crimes de feminicídio; 60.926 foram casos de violência sexual, e mais 44 mil situações de estupro de vulneráveis (envolvendo meninas de 9 a 13 anos). A maior incidência de morte foi de mulheres pretas, situação que reafirma a presença e a persistência do racismo em nossa sociedade, seja estrutural-institucional, atingindo o corpus de profissionais de diferentes setores privados, como de instituições governamentais; seja presente nas sociabilidades cotidianas, o que ‘reafirma’ a condição racial de vulnerabilidade das mulheres pretas, atestada pelos graves indicadores de desigualdade social. Portanto, um dos principais desafios é o enfrentamento ao racismo imposto à LMP.

Tal situação denota a presença forte do ‘patriarcado contemporâneo’ sexista e racista e da implementação de políticas familistas, que durante a conjuntura da Covid-19, evidencia a intensificação e potencialização da violência de gênero. Identifica-se uma avalanche de denúncias sobre as situações de violência contra as mulheres, desde a violência doméstica (física e sexual) até situações de crimes de feminicídio. No geral, o argumento tem sido o agravamento de situações de isolamento de mulheres confinadas com parceiros agressivos, por longos períodos, que exercem sobre elas maior controle, além da sensação de impunidade prevalente.

São muitos os demais desafios impostos à LMP. Um dos maiores, sem dúvida, diz respeito ao seu questionamento, pois, atualmente, acumulam-se, aproximadamente, 300 projetos de leis que propõem alterações – diretas e/ou indiretas no texto original da lei. Vale lembrar que no Congresso Nacional a LMP se tornou um ‘capital político’ de disputas entre os conservadorismos e fundamentalismos ascendentes e aqueles/as que buscam manter a fidelidade aos objetivos da lei, qual seja: o desafio de proteger e assegurar a vida das mulheres que estão em risco de violência.

Outro desafio indica que, a cada ano, a LMP vai perdendo prioridade, força e recursos orçamentários, à medida em que está sendo relegada ao plano político secundarizado pelo governo federal, e por extensão as demais instâncias estaduais e municipais. Segundo informações preliminares, do Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC), e, extensivo à ONU Mulheres (2020), informam que quase 50% dos serviços de atendimento às mulheres agredidas já foram desativados (DEAMs, Centro de Referência, Casas Abrigo, entre outros), cujo enfraquecimento recai sobre as redes de proteção e acolhimento de mulheres em situação de violência.

Ademais, há desafios que dizem respeito a profissionais da segurança que não se qualificaram, não desenvolveram uma cultura auditiva, habilitando-se a escutar e dar credibilidade às mulheres em suas trajetórias de violências. Destaca-se que é reconhecível que está havendo carência de qualificação, sensibilidade e empenho por parte do corpus jurídico, assim como dos profissionais da saúde.

Lamenta-se ainda que o desmantelamento da LMP representa, sem dúvida, uma tragédia anunciada, assim como os demais desmontes em relação a políticas públicas que atingem mulheres: indígenas, negras, desempregadas, pobres, rurais, ciganas, trans e periféricas, e todas as demais que se encontram em situações de vulnerabilidade. Ademais, sabe-se que a LMP, sozinha, não mudaria as mentalidades, mas deveria garantir às mulheres violentadas acolhimento, assistência e proteção ao denunciarem seus agressores.

Portanto, a expectativa da quebra de muitos destes desafios expostos seria exatamente de criar mecanismos e estratégias de priorizar o fortalecimento da LMP, por toda a sociedade brasileira, à semelhança do que vem sendo realizado com a mobilização do levante feminista articulado a diversas organizações na Campanha Nacional contra os Crimes de Feminicídio: Nem pense em nos matar, quem mata uma mulher mata toda a humanidade. Com certeza, todas as mulheres devem ter assegurado o seu direito de existir, de viver dignamente, e esse é o maior desafio que representa a LMP.

Lourdes M. Bandeira

Profa. Titular Aposentada do Depto. de Sociologia/ Universidade de Brasília/UnB

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