Após sofrer perseguição de assistentes sociais e ter o aborto negado na Justiça, adolescente vítima de estupro precisou recorrer ao MP para acessar direito
(Agência Pública | 21/09/2021 | Por Clarissa Levy)
Às escondidas, Gabriela* precisou viajar sete horas de sua cidade natal até a capital Belo Horizonte para ter acesso ao aborto legal. Grávida após um estupro, a adolescente de 14 anos teve o direito negado em uma sentença judicial embasada no suposto “direito do nascituro”. Três semanas após o caso da criança de 10 anos do Espírito Santo que, também grávida de seu estuprador, teve o aborto negado em seu estado, Gabriela viajava com medo. Temia que, se fosse descoberta antes de chegar ao hospital, grupos antiaborto tentariam impedi-la de realizar a interrupção da gravidez garantida por lei. De acordo com fontes ouvidas pela reportagem, semanas antes, a juíza que havia analisado seu caso, teria compartilhado em um grupo de WhatsApp a sentença que negava o direito ao aborto para a adolescente. Na pequena cidade de Gabriela, a notícia de que ela estava grávida tinha se espalhado e profissionais de assistência social do município haviam aparecido dezenas de vezes na porta de sua casa, pressionando para que a menina fizesse o pré-natal.
O pesadelo começou na noite em que a menina fugiu de casa. Após uma briga com a mãe, ela correu para uma área de mata perto de sua casa para ficar sozinha. Não ficou. Lá, o ex-namorado encontrou-a e submeteu-a a duas relações sexuais sem consentimento. “Por que você não mata meu desejo?”, disse o ex-namorado antes de derrubá-la no chão. O “não” que Gabriela disse não impediu que o jovem de 21 anos a violasse.
O estupro resultou em uma gravidez, descoberta pela adolescente e sua mãe dois meses após a violência sexual. “Uma gravidez que poderia ter sido evitada caso a equipe médica tivesse seguido o protocolo para vítimas de violência sexual”, aponta Sandra Barwinski, advogada que prestou assessoria no caso. No dia seguinte ao estupro, a menina juntou coragem para contar à mãe o que havia sofrido e, queixando-se de dores na região pélvica, foi levada ao hospital de sua pequena cidade, no norte de Minas Gerais.
Segundo a Norma Técnica do Ministério da Saúde que trata do atendimento em casos de violência sexual, as vítimas devem ser acolhidas na unidade de saúde, passar por exames e receber medicamentos para evitar gravidez, HIV e infecções sexualmente transmissíveis. Na seção “pontos importantes”, a norma orienta que é fundamental “respeitar a fala da vítima, auxiliando a expressar seus sentimentos, buscando a autoconfiança”.