Os órfãos do feminicídio

23 de agosto, 2023 Revista Piauí Por Vitória Pilar

Enquanto arrumava os cabelos cacheados, vagando entre um cômodo e outro de sua casa, em Teresina (PI), Janaina Bezerra conversava com a mãe. Era sexta-feira, 27 de janeiro, e as duas faziam planos: na segunda-feira bem cedo, Janaina iria ao Centro da cidade comprar pequenas formas de bolo, potes de plástico e produtos de confeitaria. Naquela semana, ela começaria a vender bolos de pote no campus da Universidade Federal do Piauí (UFPI), onde cursava o quarto período de jornalismo. A mãe, Maria do Socorro Nunes, estava orgulhosa. Fazia pouco tempo que a filha conseguira comprar um notebook, o primeiro da família, com o dinheiro que juntou vendendo dindins (também conhecido como sacolé, um doce gelado vendido em saquinhos plásticos) e bombons. O computador atendia às necessidades de Janaina e de suas irmãs mais novas, Vitória e Janiele. Agora, com os bolos de pote, ela pretendia levantar fundos para bancar sua própria festa de formatura, prevista para dali a dois anos.

Os planos não foram adiante. Naquela sexta-feira, Janaina saiu de casa para participar de uma festa organizada pelos colegas de faculdade, mas não voltou. Na última vez em que se comunicou com a mãe, por WhatsApp, disse que estava na companhia de amigas. Naquela madrugada, durante a festa, Thiago Barbosa, mestrando em Matemática, arrastou Janaina para uma sala no Departamento onde ele estudava. Ali, estuprou e quebrou o pescoço da estudante enquanto tentava asfixiá-la. O corpo de Janaina foi encontrado por volta das oito da manhã, por seguranças da UFPI que viram Barbosa carregando-o, já sem vida, pelo campus.

Maria e Adão, pais de Janaina, só souberam que a filha estava morta às 11h, pelos vizinhos. A mãe, que passou a madrugada sem receber notícias, tinha acordado naquele dia sentindo uma dor aguda no peito. O pai se queixava de uma intensa dor de cabeça. Os dois, ao relembrar o momento, dizem que as dores pareciam um pressentimento da tragédia.

Desde que havia entrado para a universidade, em 2020, Janaina contribuía com a renda da família por meio dos auxílios estudantis que recebia. Na pandemia, com a imposição das aulas remotas, foi beneficiada por um edital que garantiu internet banda larga a estudantes de baixa renda. Pela primeira vez, a família viu um roteador de internet em casa. Além disso, Janaina passou a receber 530 reais por mês, auxílio destinado a estudantes mais necessitados. A renda da mãe, que vendia batata frita na porta de casa, somada ao dinheiro incerto que o pai conseguia trabalhando aqui e acolá como mecânico, raramente passava dos 1 200 reais. O dinheiro mais seguro com que podiam contar era a bolsa universitária.

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