Sugestão de pauta: Aborto é responsável por 30% mais mortes do que as contabilizadas nos dados oficiais

30 de julho, 2018

Estudo inédito constatou que 195 mortes de mulheres oficialmente registradas por causas como infecção ou peritonite estão associadas a abortos 

(Agência Patrícia Galvão, 30/07/2018) Entre 2006 e 2015, o Brasil registrou 770 óbitos maternos por complicações de um aborto no SUS, mas este número pode ser, em média, pelo menos 30,7% maior – considerando informações registradas nos bancos de dados do Ministério da Saúde. Isso significa que o aborto está relacionado à morte de mais mulheres no Brasil do que a contabilização oficial dos óbitos vinha indicando.  A constatação é de um estudo inédito que analisou dados públicos dos sistemas nacionais de informação em saúde e que deve ser publicado em breve nos Cadernos de Saúde Pública da Fiocruz. Ainda segundo dados do Datasus analisados, o aborto representa hoje a quarta causa de morte materna no Brasil. As outras são pressão alta durante a gravidez, hemorragia após o parto e infecções.

A principal razão para esta diferença nos indicadores está na forma como os médicos registram as mortes por aborto. Nem sempre o procedimento aparece como a principal causa de mortes de mulheres, mesmo que elas tenham sido desencadeadas por um aborto induzido.

Muitas vezes, os registros oficiais atestam que a mulher morreu de sepse (infecção generalizada) e peritonite (inflamação por bactéria ou fungo no tecido do abdômen), sem citar que essas complicações estão relacionadas a um aborto realizado anteriormente.

“Se o médico coloca pneumonia como causa básica, e não aborto, no atestado de óbito, no momento em que a secretaria de saúde pega esse atestado, o sistema vai capturar somente a causa básica e ignorar a menção ao aborto que está em outra parte da ficha”, explica Greice Menezes, pesquisadora do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia. Isso significa que a mulher pode ter morrido por aborto, mas sua morte não foi contabilizada como tal pois em seu atestado de óbito constava outra causa.

Ao analisar detalhadamente as informações sobre mortalidade, o estudo identificou 195 casos de óbitos entre 2006 e 2013 cujos registros mencionam aborto no histórico, mas que não têm o procedimento como causa principal da morte. Isso significa que o número de mortes por aborto pode ser bem maior no Brasil do que vinha sendo divulgado com base nos registros oficiais.

“De todas as mortes maternas, o aborto é a causa mais subnotificada, por tudo o que envolve o assunto”, destaca a pesquisadora. “O não preenchimento do atestado vai além de uma questão técnica do profissional. A criminalização, o estigma e a condenação moral fazem com que essa fonte de dados nunca seja absolutamente precisa”.

Em função da frequente subnotificação das complicações por aborto, várias projeções de mortalidade por esta causa levam a números ainda mais altos, ao aplicarem métodos de correção padronizados às estatísticas oficiais, como as divulgadas pela Folha de S.Paulo no domingo, 29, com base em estimativas do Ministério da Saúde.

Desde 2008, o Ministério da Saúde estabelece que todas as mortes de mulheres em idade fértil, entre 10 e 49 anos de idade, precisam ser investigadas pelo Comitê de Mortalidade Materna de cada região do país a fim de determinar suas causas com precisão. Nos últimos dez anos, a qualidade da investigação de óbitos maternos melhorou muito. A parcela de mortes com causas mal definidas caiu de 8,3% em 2006 para 5,7% em 2015. Apesar disso, ainda há lacunas. O Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) cobre 96,3% dos óbitos totais estimados no país, mas essa cobertura é desigual entre as regiões (na Norte, por exemplo, é de 89,3%), o que indica que muitas mortes deixam de ser registradas e investigadas.

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STF realiza esta semana audiência pública para debater descriminalização do aborto até a 12ª semana

A ministra do Supremo Tribunal Federal Rosa Weber convocou uma audiência pública para os dias 3 e 6 de agosto para ouvir especialistas na ADPF 442, ação que requer a descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação. Em poucas semanas, o STF recebeu 501 pedidos de inscrições de palestrantes interessados em falar na audiência, um recorde para a Corte. Foram convocadas mais de 50 organizações, nacionais e internacionais, dos campos da saúde, de direitos humanos e jurídico, entre outros, para falar na audiência.

Sugestões de fontes:

Se houver interesse em falar com alguns dos especialistas abaixo, ou com os expositores que falarão na audiência pública (veja lista completa), favor entrar em contato com:

Greice Menezes (Instituto de Saúde Coletiva da UFBA) – é médica e pesquisadora do Programa Integrado em Gênero e Saúde do Instituto de Saúde Coletiva da UFBA (MUSA) e trabalha com os temas de gênero, saúde reprodutiva e mortalidade materna. Pode falar sobre a dimensão do aborto inseguro, complicações pós-aborto e sobre o impacto da criminalização na vida das mulheres e no sistema de saúde.

Rodolfo Pacagnella (Febrasgo e Unicamp) – é  presidente da Comissão de Mortalidade Materna da Febrasgo (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia) e professor doutor do Departamento de Tocoginecologia da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp. Atua principalmente nos temas de mortalidade materna, morbidade materna grave (near miss materno) e saúde sexual e reprodutiva. 

Rosa Domingues (ENSP-Fiocruz) – é pesquisadora na área de saúde materno-infantil e direitos reprodutivos. Coordena a edição temática sobre aborto que será lançada no Caderno de Saúde Pública da Fiocruz.

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