Quase todas as mulheres já passaram por cantadas indesejadas, receberam comentários de cunho sexual, entre outros, no transporte público, por aplicativo ou em táxis, segundo levantamento do Instituto Locomotiva e Instituto Patrícia Galvão.
(G1, 18/06/2019 – acesse no site de origem)
Quase todas as brasileiras com mais de 18 anos (97%) afirmaram que já passaram por situações de assédio sexual no transporte público, por aplicativo ou em táxis, segundo pesquisa inédita obtida pelo G1 dos institutos Patrícia Galvão e Locomotiva, com apoio da Uber.
“É um número muito forte. Esse é o cotidiano da vida das mulheres, a pura expressão do que acontece”, disse Jacira Melo, diretora-executiva do Instituto Patrícia Galvão.
Os institutos entrevistaram 1.081 mulheres em fevereiro deste ano que utilizaram transporte público ou privado nos 3 meses anteriores à data do início do estudo.
O alto índice percentual vem à tona quando os entrevistadores questionaram se as mulheres já passaram por casos de assédios classificados pelas principais queixas das mulheres. Quando as dinâmicas são expostas, quase todas as mulheres responderam que já passaram por ao menos uma dessas situações, como olhares insistentes (41%) no transporte coletivo, (10%) no transporte por aplicativo e (11%) no táxi, cantadas indesejadas (33%) no coletivo e 9% nos aplicativos e táxis (veja tabela abaixo).
“O homem fica olhando para ela, que fica com medo e troca de lugar, mas não percebe que foi vitima de assédio. Explicitamos algumas situações para conseguir ver como as mulheres são assediadas no meio de transporte”, disse Maíra Saruê, diretora de pesquisa do Instituto Locomotiva.
A maioria das mulheres (71%) também afirmou conhecer alguma mulher que já sofreu assédio em espaço público, segundo o levantamento.
De acordo com a pesquisa, para 72% das mulheres, o tempo para chegar ao trabalho influencia na decisão de aceitar ou ficar em um emprego. Segundo dados da PNAD contínua, do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), das 92 milhões de brasileiras adultas, 40 milhões trabalham, 8 milhões estudam, 33 milhões foram a bares no último mês e 82 milhões fizeram compras em supermercados.
Apesar de tantos deslocamentos, 46% das mulheres não se sentem confiantes para usar meios de transporte sem sofrer assédio.
“O assédio sexual nos meios de transporte é sabido e conhecido por todos, mas ainda pouco abordado, como se fosse algo de menor importância. As mulheres enfrentam encoxadas, ejaculação na roupa e nas pernas, são expostas a violência pesada, que fere o direito de ir e vir”, afirma Jacira.
As mulheres entrevistadas disseram que o transporte por aplicativo é o meio de transporte mais associado à facilidade de denúncia por assédio: 55%, contra 21% no transporte coletivo e 6% no táxi. Para 18% das mulheres nenhum dos meios de transporte facilita uma denúncia.
“Pelo aplicativo, há uma empresa por trás, que tem o registro daquela pessoa, que consegue ser localizada. Mais fácil denunciar e ter algum tipo de punição para o agressor. No transporte público, a pessoa vai embora e some pela cidade”, diz Maíra.
Em um dos poucos casos de punição, um vídeo, gravado por uma passageira da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) de São Paulo, em fevereiro deste ano, mostrou o momento em que um homem é detido por ejacular em uma jovem, de 22 anos. As imagens, que foram distorcidas para a preservação da vítima, foram gravadas no dia 6 de fevereiro, na estação Hebraica-Rebouças, da Linha 9-Esmeralda, em São Paulo.
A jovem, que não quer se identificar, conta que estava a caminho do trabalho, na Vila Olímpia, Zona Sul da cidade de São Paulo, quando percebeu que um homem fazia movimentos estranhos atrás dela. “Eu percebi que tinha alguém atrás de mim, mas não tinha o que fazer, porque o trem estava muito lotado. Eu fiquei incomodada com a movimentação, mas eu não entendi o que estava acontecendo.”
Segundo a estagiária de direito, ele segurava duas sacolas e tampava parte do seu corpo. “De repente, eu senti um líquido quente invadindo a minha calça e quando eu senti, eu entendi o que estava acontecendo. Virei, empurrei ele e ele estava com o membro para fora da calça. Estava todo sujo e tentou cobrir com a camiseta.”
As mulheres disseram que no transporte por aplicativo, há mais chances de os homens serem punidos (45%), 27% no transporte público coletivo, 22% em nenhum dos meios de transporte e 6% nos táxis.
Apesar disso, Jacira diz que o risco da mulher em um carro sozinha com um homem é grande.
“Você tem a placa do carro, em muitos casos, o nome do motorista. Mas convenhamos. O risco que a mulher corre dentro do carro onde o motorista tem todo o controle e ir para um caminho que ela não conhece, a coloca em um risco bastante elevado. Parto da máxima que não é aceitável nenhum tipo de violência em um transporte por aplicativo”, diz.
“As empresas precisam ter rigor na seleção dos motorista, dar cursos, etc. Criar mecanismo para as mulheres ficarem mais seguras e a fazerem denúncias. Elas têm condições de evitar o assédio e o estupro de forma muito mais eficaz do que no transporte público”, completa.
Apesar de ocorrer bem menos situações de assédio nos transportes por aplicativo, apenas nesse meio de transporte, mulheres disseram que foram estupradas (1%).
No entanto, 3 em cada 4 usuárias disseram que se sentem seguras usando transporte por aplicativo (75%), contra 67% nos táxis e 26% no transporte público.
Importunação sexual
Pela lei sancionada em setembro de 2018, fica caracterizado como importunação sexual o ato libidinoso praticado contra alguém, sem autorização, a fim de satisfazer desejo próprio ou de terceiro. A pena prevista é de um a cinco anos de cadeia.
A proposta ganhou força quando foram registrados casos de homens que se masturbaram e ejacularam em mulheres em ônibus.
O texto sancionado também torna crime a divulgação, por qualquer meio, vídeo e foto de cena de sexo ou nudez ou pornografia sem o consentimento da vítima, além da divulgação de cenas de estupro.
A lei aumenta a pena em até dois terços se o crime for praticado por pessoa que mantém ou tenha mantido relação íntima afetiva com a vítima, como namorado, namorada, marido ou esposa. A intenção é evitar casos conhecidos como pornografia de vingança.
Cíntia Acayaba e Léo Arcoverde