Tomado pelo bolsonarismo, Conselho Federal de Medicina passou de defensor da autonomia feminina a algoz de gestantes e mulheres que não desejam engravidar.
(The Intercept Brasil | 15/10/2021 / Por Bruna de Lara)
DIFICULTAR O ACESSO à contracepção. Abrir fogo contra a luta pelo fim da violência obstétrica. Diminuir as chances de mulheres que recorrem à reprodução assistida terem filhos. Essas são algumas das vitórias conquistadas nos últimos anos pelo Conselho Federal de Medicina no campo da (des)igualdade de gênero. Juntas, elas nos mandam uma mensagem clara: a atuação do CFM é nociva às mulheres.
Embora 46,6% dos médicos do Brasil sejam mulheres, no conselho da categoria os homens reinam em absoluto. Eles são 20 entre os 28 conselheiros efetivos do órgão e ocupam a presidência e as três cadeiras de vice. Elas, portanto, estão presentes em meros 28,6% das posições efetivas. Na gestão anterior, as mulheres correspondiam a 10,7% do conselho. Não é de surpreender, portanto, que todas as resoluções prejudiciais à população feminina – e transmasculina – mapeadas neste texto tenham sido assinadas por homens.
Mas é principalmente o viés de extrema direita adotado pela diretoria do CFM que ajuda a explicar como um órgão que, em 2013, se manifestou favoravelmente à descriminalização do aborto até a 12ª semana, dizendo-se defensor da autonomia da mulher, chegou ao ponto de aprovar procedimentos forçados em gestantes seis anos depois.
Sob as gestões de Carlos Vital Tavares Corrêa Lima (2014-2019) e Mauro Luiz de Britto Ribeiro (2019-2024), as pessoas grávidas se tornaram alvo de ataques recorrentes do conselho de profissionais que deveriam garantir sua integridade física e mental.
A primeira investida marcante veio em 23 de outubro de 2018, quando o CFM emitiu um parecer assinado por Ademar Carlos Augusto, que segue como conselheiro efetivo pelo estado do Amazonas, atacando a luta contra a violência obstétrica. Para o órgão, o abuso não é uma violação grave do corpo e dos direitos das mulheres, mas sim “uma agressão contra a especialidade médica de ginecologia e obstetrícia” que contribui para a “demonização progressiva” da obstetrícia.
Já no início de 2019, o Cremerj, Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro, voltou seus esforços contra instrumento considerado fundamental para a garantia do bem-estar da gestante na hora de dar à luz: o plano de parto. Em 23 de janeiro, o Cremerj publicou uma resolução que proibia a “adesão, por parte de médicos, a quaisquer documentos, dentre eles o plano de parto ou similares, que restrinjam a autonomia médica”. Em 21 de janeiro do ano seguinte, o Cremers, conselho do Rio Grande do Sul, “corroborou na íntegra” o documento do conselho fluminense.