Editorial desta Folha(“Intenções e resultados”, 26/3) afirmou que há uma obsessão por leis no Brasil. Tal ideia, no entanto, ignora um aspecto fundamental: a regulamentação também existe para equilibrar relações jurídicas que são desequilibradas desde sua origem. Nem sempre este é o caso, mas, ao analisar a PEC das Domésticas e a construção desta norma, o aspecto ora proposto é observado: a lei não é excesso de burocracia, é conquista de direitos, que tardou muito em nosso sistema jurídico e tarda, ainda mais, em nosso pacto civilizatório.
A Consolidação das Leis Trabalhistas brasileira data de 1942, mas a trabalhadora doméstica só teve seu direito à carteira assinada assegurado em 1972, quando foi reconhecida como categoria profissional. A legislação ainda previa o direito a férias, mas não equiparava direitos de outros trabalhadores, como o FGTS e a jornada de trabalho. Vê-se, assim, que a conquista de direitos foi progressiva e paulatina, passando pela Constituição Federal de 1988 e culminando com a PEC das Domésticas e a lei 150/2015.
Não há nenhum motivo legal para que as trabalhadoras domésticas não tivessem seus direitos reconhecidos ainda em 1942, junto com os outros trabalhadores do país. O trabalho doméstico no país é exercido em sua maioria por mulheres: são 92% e, dentre elas, 67% negras. Elas estão no epicentro da discriminação racial, de gênero e de classe. Além disso, o trabalho doméstico é ainda mais subalternizado, pois ocorre de maneira isolada dentro das casas.