Como o lobby contra o aborto avança no Brasil

29 de abril, 2019

Grupos de pressão fazem avançar no Congresso Nacional projetos contrários à interrupção da gravidez em qualquer circunstância. Frente parlamentar em defesa da vida reúne mais de 200 congressistas na legislatura atual

(El País, 29/04/2019 – acesse no site de origem)

Uma rede de organizações espalhadas por todo o Brasil está cada vez mais presente –e influente– no Congresso Nacional. Tem como principal bandeira proibir o aborto no país e influenciar os 35 projetos sobre os direitos sexuais e reprodutivos da mulher que tramitam na Câmara dos Deputados e no Senado. E novos projetos nessa linha continuam a chegar, junto com parlamentares de primeiro mandato eleitos com os votos dessa rede, como o senador Eduardo Girão (Pode-CE) e as deputadas Chris Tonietto (PSL-RJ) e Flordelis (PSD-RJ). Novatos e antigos são abordados por ativistas da causa até nos cafés do Congresso. “É onde acontecem os encontros, por onde passam os tomadores de decisão”, assume Hermes Rodrigues Nery, coordenador do Movimento Legislação e Vida, uma grande liderança contra o aborto no Brasil e presença constante no Congresso.

A atuação mais visível desses grupos de pressão é a Marcha Nacional pela Vida, que acontece em Brasília em junho e se multiplica no decorrer do ano em versões regionais. Na retaguarda, estão juristas, acadêmicos, religiosos, médicos, empresários, assessores parlamentares, editores, toda uma gama de profissionais que fornece argumentos e participa de debates e audiências públicas. Dentro do próprio Congresso, têm representação de peso. A Frente Parlamentar em Defesa da Vida e da Família da atual legislatura reúne mais de 200 congressistas. Evangélicos, católicos, espíritas se unem sob a mesma bandeira.

Há quem entre na política para fortalecer o grupo, que costuma se identificar como pró-vida. É o caso do senador Eduardo Girão, empresário que disputou sua primeira eleição no ano passado. Um dos fundadores do Movida, organização que tem como principal meta banir o aborto, Girão não demorou a mostrar a que veio. Onze dias depois de tomar posse, ele desarquivou uma Proposta de Emenda à Constituição do senador não-reeleito Magno Malta que inclui o termo “desde a concepção” no artigo relativo ao direito à vida. É a chamada PEC da Vida. Se for aprovada, nem grávidas em risco de morte, vítimas de estupro ou com fetos anencéfalos poderão adotar o procedimento, como garante a lei hoje. Relatora da proposta na Comissão de Constituição e Justiça, a senadora Selma Arruda (PSL-MT) apresentou parecer favorável na quarta-feira 24 de abril, abrindo exceção para quando não houver outra forma de salvar a vida da gestante ou se a gravidez decorrer de estupro. A comissão, no entanto, pode aprovar a proposta mais restritiva.

Hermes Rodrigues Nery, coordenador do Movimento Legislação e Vida.

Hermes Rodrigues Nery, coordenador do Movimento Legislação e Vida. (Foto: Marcelo Laganaro)

“Precisa de três quintos dos votos dos senadores para aprovar no plenário, mas a chegada de Girão ao Senado favorece. A PEC muda a Constituição, é muito mais abrangente do que o Estatuto do Nascituro”, ressalta o ex-deputado Luiz Bassuma, referindo-se ao projeto de lei que tramita na Câmara dos Deputados desde 2007. Espírita como Girão, Bassuma é um dos autores do projeto, que garante ao feto os mesmos direitos dos nascidos vivos e prevê assistência financeira às vítimas de estupro que não abortarem. “O pessoal pró-aborto distorceu isso, como se estivéssemos criando uma bolsa estupro. É para que nenhuma mulher aborte por falta de dinheiro. Se o estuprador não tiver condições, o Estado assume”, diz Bassuma.

Mesmo sem mandato, Bassuma acompanha de perto a tramitação do Estatuto do Nascituro, deslocando-se com frequência de Salvador, onde mora, para Brasília. O projeto avança por esforço coletivo. Presidente da Frente Parlamentar em Defesa da Família e da Vida, o deputado Diego Garcia (Pode-PR) começou o ano legislativo com um pedido para promover uma audiência pública sobre o Estatuto do Nascituro. Ano passado, no auge da campanha eleitoral, Garcia já tinha alavancado o projeto com um parecer favorável à Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher: “Ainda que seja pequena a expectativa de duração de vida extrauterina, a proteção do nascituro deve ser efetivada”.

Outra figura de peso nessa rede virou ministra do Governo Bolsonaro e agora defende “o direito à vida desde a concepção” até no Conselho de Direito Humanos da ONU, em Genebra, na Suíça. É a pastora e advogada Damares Alves. “Sou contra o aborto em qualquer circunstância. Todos sabem, todos conhecem”, repete Damares desde 1999, quando começou a atuar em Brasília como assessora parlamentar. Desde então, ela trabalhou no gabinete de quatro parlamentares – todos evangélicos e defensores da mesma causa. Além de ministra, Damares é secretária nacional de Relações Institucionais do Brasil Sem Aborto –Movimento Nacional da Cidadania pela Vida.

O Brasil Sem Aborto foi criado em 2007 pelo então assessor parlamentar Jaime Lopes, que procurava uma mulher para comandar a organização. No ano seguinte, a farmacêutica Lenise Garcia, professora de microbiologia da Universidade de Brasília, participou de uma audiência pública no Supremo Tribunal Federal sobre o uso de células-tronco embrionárias para pesquisa. Lenise era contra, o Supremo decidiu a favor. Por afinidade de ideias, o Brasil Sem Aborto ganhou uma presidente. Há 11 anos na função, ela tornou-se a mais atuante acadêmica em audiências e palestras contra o aborto, nas quais exibe uma réplica de plástico de um feto de 12 semanas, similar aos modelos em silicone usados pelos movimentos americanos antiaborto.

A farmacêutica Lenise Garcia, professora de microbiologia da UnB e presidente do grupo Brasil Sem Aborto.

A farmacêutica Lenise Garcia, professora de microbiologia da UnB e presidente do grupo Brasil Sem Aborto. (Foto: Luiza Villaméa)

“Mostro essas réplicas porque muita gente fala que um embrião é só um punhadinho de células. Um punhado de células eu também sou”, diz Lenise em sua casa, em Brasília, que funciona como uma espécie de sede do movimento. Ela defende a proibição do aborto em qualquer circunstância. Pelo Código Penal Brasileiro, aborto é crime, com pena de um a três anos de prisão para a mulher, exceto nas duas situações previstas por lei (risco de vida e estupro) ou determinada pelo Supremo (anencefalia do feto).

“Como o tema é controverso, às vezes as empresas dão dinheiro, mas não querem aparecer”, afirma Lenise Garcia, sobre os encontros que promove pelo país

À frente do Brasil Sem Aborto, Lenise promove encontros com organizações de todo o país. Ainda assim, ela garante não saber o número de entidades que integram o movimento e divaga sobre o financiamento da organização: “Como o tema é controverso, às vezes as empresas dão dinheiro, mas não querem aparecer. Outros ajudam, como empresas de transporte que abrem espaço nos ônibus para nossos cartazes”. Lenise também não alimenta conversas sobre suportes internacionais às organizações pró-vida, embora esses vínculos estejam presentes desde a concepção desses movimentos.

Em contrapartida, ela faz questão de divulgar dados sobre grupos que atuam pela descriminalização do aborto. “ONGs estrangeiras investem pesadamente para a aprovação do aborto na América Latina. Saiu um artigo recentemente. Investiram 18 milhões de dólares”, declarou no Supremo. Perguntada pela reportagem sobre a fonte de informação, Lenise citou o site Estudos Nacionais. “Está lá. A pesquisa é o doutor Marlon, um médico de Santa Catarina, que publicou um livro sobre o aborto. Sou autora de um dos capítulos”, conta. O doutor Marlon é, na verdade, o administrador de empresas Marlon Derosa, um dos donos da Editora Estudos Nacionais, sediada em Florianópolis (SC). Católico praticante, Derosa milita contra o aborto em qualquer circunstância e decidiu investir no mercado editorial em 2015: “Tinha dificuldade em encontrar livros sobre o aborto que não tivessem orientação pró-legalização”. Ele chegou à cifra de 18 milhões de dólares citada por Lenise pesquisando sites de entidades estrangeiras e nacionais. Uma delas é a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), com 4,2 milhões de dólares.

Questionada pela reportagem, a Fiocruz foi categórica em desmentir a informação: “Levantamento feito pela área financeira da instituição não identificou qualquer projeto em relação ao aborto vinculado às verbas mencionadas. A verba foi para a área de saúde da mulher e da criança.” Depois de divulgados no Supremo, os milhões contabilizados por Derosa passaram a circular como dado confiável nas redes sociais e sites simpatizantes. Processo similar ocorre quando se discute os números do aborto no Brasil, sempre menores na contabilidade dos movimentos pró-vida.

Derosa é organizador do livro Precisamos Falar sobre Aborto, lançado no final do ano passado no Salão Nobre da Câmara dos Deputados. A escolha do local tem a ver com a meta de sensibilizar os parlamentares para os argumentos contrários ao aborto. São 638 páginas e 13 coautores, estrangeiros e nacionais. Derosa edita ainda uma revista trimestral e mantém um site com frequentes referências ao tema aborto. Um dos mais recentes artigos do site é sobre um homem que conseguiu na Justiça impedir o aborto planejado pela ex-namorada em Mercedes, no Uruguai. Lá, o aborto é permitido até a 12ª semana de gestação.

No Congresso e fora dele, a rede de pressão inclui juristas. Entre eles está a advogada Angela Vidal Gandra Martins, doutora em Filosofia do Direito e professora da Universidade Mackenzie, em São Paulo. Sua aproximação com o movimento se deu a partir de uma temporada nos Estados Unidos, onde trabalhou com a Alliance Defending Freedom, organização cristã sem fins lucrativos que atua no direito à liberdade religiosa e aos direitos fundamentais. Em palestras e audiências, ela recorre a argumentos de sua área: “O termo que a Constituição usa é inviolabilidade da vida humana. Inviolável é um termo absoluto”.

A advogada Angela Vidal Gandra Martins.

A advogada Angela Vidal Gandra Martins. (Foto: Marcelo Laganaro)

O artigo 5º da Constituição prevê a “inviolabilidade do direito à vida”, mas não determina quando ela começa. A questão é objeto de debates nos meios religiosos e científicos. “Há um movimento conservador internacional que defende o início da vida desde a concepção; outros grupos quando o embrião se implanta no útero; há aqueles que consideram como marco os primeiros sinais de atividades cerebrais e outros, os primeiros batimentos cardíacos fetais”, afirma bioeticista Antônio Carlos Rodrigues da Cunha, coordenador do Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília. “Na verdade, há uma percepção entre os pesquisadores de que o conceito de início da vida é filosófico e não embriológico.”

A organização Católicas pelo Direito de Decidir, que é a favor da descriminalização e da legalização do aborto, também não tem uma resposta sobre o início da vida. Coordenadora executiva da organização, a psicóloga Rosângela Talib esclarece que as Católicas priorizam a autonomia das mulheres sobre a sua vida e o seu corpo: “O aborto para a Igreja não é um dogma, como a virgindade de Maria. Faz parte dos seus ensinamentos. Diante de situações difíceis, o princípio maior é a consciência do fiel”.

No embate, os contrários à descriminalização não têm dúvidas: a vida começa na fecundação. Para difundir esse e outros valores no âmbito jurídico, investem também na formação de novos quadros. Em Porto Alegre (RS), a Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure) acaba de contemplar 50 bolsistas para um curso de 40 horas em julho. Destina-se a estudantes ou recém-formados em Direito e terá entre os professores o americano Jeffery Ventrella, da Alliance Defending Freedom, sediada no Arizona. Na organização, Ventrella dirige um programa de nove semanas criado em 2000, que já treinou mais de 2.100 estudantes de Direito de 21 países, alguns deles selecionados no Brasil pela Anajure.

A origem dos movimentos antiaborto do Brasil também está vinculada a grupos americanos, em particular à Human Life International, a maior organização antiaborto do mundo. A entidade participou da criação do Movimento em Defesa da Vida, lançado no Rio de Janeiro pelo monsenhor Ney Affonso de Sá Earp. Em julho de 1989, o próprio fundador da Human Life, padre Paul Marx, veio ao Brasil para a primeira ação do Defesa da Vida. Veio também a ativista Joan Andrew, uma espécie de estrela do movimento nos Estados Unidos, onde o aborto é legalizado.

Junto com 20 manifestantes, o monsenhor promoveu uma Operação Resgate –como chamam o bloqueio da entrada de clínicas de aborto–, diante da Clínica Santiago, em Botafogo. Entre os manifestantes estava o criador do GBM, grupo que atuava de forma isolada em Santa Catarina e continua ativo. Depois do episódio no Rio, o monsenhor e seus parceiros americanos trataram de espalhar o movimento pelo Brasil.

A visita do grupo à cidade de Anápolis (GO) culminou na criação de um dos núcleos mais fortes do movimento. Na ocasião, foi lançado o Pró-Vida de Anápolis, hoje sob a liderança do padre Luiz Carlos Lodi da Cruz, o padre Lodi. Em Brasília, ele chama a atenção por circular, sempre de batina preta, em todos os espaços nos quais se debate os direitos reprodutivos da mulher. Muitas vezes acompanhado por fiéis com terço na mão. Não pestaneja ao tratar do tema: “O aborto é o homicídio preferido do demônio”. Recusa-se, no entanto, a dar entrevista: “Só falo com a mídia pró-vida.”

Hoje, o mais articulado parceiro da Human Life International no Brasil é Hermes Rodrigues Nery, conhecido como professor Hermes, aquele que investe no corpo a corpo com parlamentares nos cafés do Congresso. Depois de presidir por três anos a Associação Nacional Pró-Vida e Pró-Família, ele agora está à frente do Movimento Legislação e Vida. Embora more na cidade paulista de São Bento do Sapucaí, onde trabalha na prefeitura, ele se desloca para onde for necessário. Sem entrar em detalhes nem revelar nomes, Nery afirma que, para circular pelo Brasil e pelo mundo, conta com a ajuda financeira de amigos.

“Estive recentemente nos Estados Unidos, com lideranças conservadoras. Mike Pence, o vice-presidente, é muito pró-vida. E o Governo Trump tem cortado verbas para ONGs abortistas”. Nery também conhece de perto a Pontifícia Academia do Vaticano e a Polônia, país de arraigada tradição católica. Lá, a interrupção voluntária da gravidez era autorizada entre 1956 e 1993, mas hoje o país tem as leis mais restritivas sobre o aborto de toda a Europa.

Kateri e Sabino Werlich, fundadores do Movimento GBM.

Kateri e Sabino Werlich, fundadores do Movimento GBM. (Foto: Laura Wandelli Loth)

No interior da Igreja Nossa Senhora do Rosário, em São Bento do Sapucaí, ele lembra que depois de perder a batalha no Supremo sobre o uso de células-tronco embrionárias em 2005, as lideranças pró-vida mudaram de estratégia: “Em vez de atuar só contra o aborto, entramos com ações propositivas, como a PEC da Vida. Em fevereiro de 2015, procuramos o senador Magno Malta. Levamos informações, ajudamos na redação do projeto. Na época, o Luiz Bassuma, autor do Estatuto do Nascituro, e Damares Alves estavam assessorando o senador. A ideia de explicitar na Constituição que a vida começa na fecundação tinha surgido durante uma conversa com o jurista Ives Gandra Martins”.

A mais recente frente de combate dos pró-vida envolve neutralizar o “ativismo do Supremo”. Isso porque lá correm duas ações relativas ao aborto. Uma, para descriminalizá-lo até a 12ª semana de gestação, proposta pelo PSOL. Outra, para permitir a interrupção da gravidez nos casos de gestantes infectadas pelo vírus zika, protocolada pela Associação Nacional dos Defensores Públicos. Para impedir que o Tribunal decida sobre essas questões, um grupo de senadores tenta acelerar a aprovação da PEC da Vida. Na Câmara, já tramita projeto de lei que permite enquadrar ministros do Supremo em crime de responsabilidade por “usurpação de competência” do Poder Legislativo. É o lobby contra o aborto em ação.

REDE DE CONVENCIMENTO

A fundadora do Centro de Reestruturação para a Vida, Rose Santiago.

A fundadora do Centro de Reestruturação para a Vida, Rose Santiago. (Foto: Marcelo Laganaro)

MÔNICA TARANTINO

À primeira vista, nada indica que o Cervi – Centro de Reestruturação para a Vida –, no bairro da Barra Funda, em São Paulo, é uma organização contrária ao aborto. No site que oferece suporte às mulheres para lidar com a gravidez indesejada e o abuso sexual, esse posicionamento não fica claro. Assim como não está explícito para aquelas que chegam encaminhadas por unidades básicas de saúde, hospitais ou delegacias com os quais o Cervi trabalha em parceria. Além de aconselhamento, a associação providencia testes de gravidez, encaminha para o pré-natal e para cursos profissionalizantes. Criado em 1999, o Cervi informa que já atendeu mais de 18 mil mulheres. “Eu diria que temos uns cinco mil filhos”, diz sua principal fundadora, a tradutora Rose Santiago. Os cabelos roxos, as tatuagens e a postura despojada de Rose evidenciam sua busca por maior empatia com as mulheres que procuram o serviço. Mineira de Poços de Caldas, ela representa a ala mais moderna de um movimento que evita o convencimento por meio de argumentos religiosos e exibição de imagens chocantes de fetos na hora de levar as mulheres a mudarem de ideia. “No dia a dia, vi que nossa missão não é religiosa. É alcançar a mulher no bio-psico-social-espiritual. Cuidamos das duas vidas, da mãe e do feto”, explica. Ainda assim, o Cervi faz parte da Rede Solidária da Igreja Batista da Água Branca, em São Paulo.

O modelo do Cervi é inspirado nas organizações americanas Pregnancy Resource Center (PRC) e Life International (LI), que inicialmente financiaram sua atividade. Rose conheceu os fundadores da LI, Fran Malfer e Kurt Dillinger, quando atuou como tradutora no processo de adoção de duas crianças brasileiras. Ficaram amigos e ela foi convidada a representá-los no Brasil. “No começo recebemos ajuda para pagar salários, aluguel e comprar mobília. Hoje nós não representamos mais essas associações e temos uma rede própria de parceiros e mantenedores.” Apesar disso, Rose frequenta os congressos dessas entidades, é convidada para fazer palestras e busca, como a matriz, expandir o seu campo de ação. “Nós estamos abrindo o Cervi em Sergipe e Brasília. Existe um em Porto Alegre que nós treinamos que se chama Servi, com S.”

Associações com o mesmo propósito do Cervi atuam em todo o país. Alguns tentam atrair as mulheres oferecendo falso suporte ao aborto, como o gravidezindesejada.com, da Associação Mulher. Essa entidade faz parte da Red Latinoamericana de Centros de Ayuda para la Mujer, os CAMs, em atividade nos Estados Unidos, na Espanha e por toda a América Latina. No Brasil, o site da rede informa que há CAMs em São Paulo (nas cidades de Piracicaba, Jacareí e na capital), Rio de Janeiro, Porto Alegre (RS) e Florianópolis e Três Barras (SC). Outras instituições com atuação similar são a Associação Guadalupe em São José dos Campos (SP) e Missão Fiat, em Campinas (SP), Pró-Vida de Anápolis (GO) e Comunidade Santos Inocentes, em Brasília (DF).

DE RANCHO QUEIMADO AO PLANALTO CENTRAL

LUIZA VILLAMÉA

Cada vez que o aborto entra em discussão no Congresso, mensagens eletrônicas são disparadas da pequena cidade de Rancho Queimado, em Santa Catarina. São endereçadas à rede de 500 mil apoiadores do Movimento GBM em todo o país, para que acionem deputados e senadores. A iniciativa visa barrar a legalização do aborto no Brasil, como afirma a presidente do GBM, Kateri Werlich: “Alguns parlamentares ouvem esse clamor. Outros fazem de conta que não é com eles”.

Fundado em 1973 pelo pai de Kateri, Sabino Werlich, o GBM é o mais antigo grupo de pressão contra o aborto do país. “Começamos invadindo abortórios. Fazíamos denúncias. Ajudamos a colocar bastante gente na cadeia, mas a polícia encobria muita clínica clandestina”, conta Sabino, 81 anos. As ações eram feitas em conjunto com a mulher, Vali, hoje afastada das atividades do movimento.

O casal não teve filhos, mas adotou dez crianças, entre elas Kateri. Há 30 anos, a mãe biológica de Kateri pensava em abortar, quando um padre da cidade onde ela morava, Itajaí, falou sobre os Werlich. “Ela veio para Rancho Queimado e, a partir do quarto, quinto mês de gravidez, ficou morando com meus pais. Após o parto, me entregou para eles”, diz Kateri, a única da família que ainda mora com o pai.

O padre de Itajaí, por sua vez, conhecia o GBM por causa do jornal Em Defesa da Vida, que o movimento publica há 36 anos e distribui para paróquias e apoiadores. Com quatro páginas, trimestral, trouxe na primeira página da mais recente edição um artigo do padre Luiz Carlos Lodi da Cruz, de Anápolis, contra a ação que tramita no Supremo Tribunal Federal para liberar o aborto até a 12ª semana de gestação.

“A última tiragem foi de 15 mil exemplares, mas já chegamos a tirar 200 mil. Falta apoio financeiro”, diz Kateri. Nem sempre foi assim. Apesar de sofrer lapsos da memória, Sabino se recorda bem da ajuda que recebeu em dólares do padre Paul Marx, fundador do Human Life International, e da ativista Joan Andrews Bell. Ambos americanos, eles vieram ao Brasil em julho de 1989, para difundir o movimento Brasil afora. No Rio de Janeiro, fizeram um protesto diante de uma clínica clandestina de aborto.

Sabino participou do protesto no Rio e voltou para Rancho Queimado com recursos para fazer melhorias na sede, que até hoje se estende por uma área de 2,5 mil metros quadrados. Ele não se lembra mais da quantia recebida, só da orientação de que era para “trocar aos poucos, gastar o do dia e guardar o resto”. Kateri, que sucedeu ao pai no comando do movimento, garante que atualmente não recebe nenhuma ajuda do gênero.

Instalada em uma rua que Sabino conseguiu batizar como Nossa Senhora Protetora dos Nascituros, a sede tem construções modestas, mas amplas. Além de capela, escritório e das casas de Sabino e Kateri, abriga uma rádio que jamais foi legalizada e hoje está desativada por problemas técnicos.

O nome GBM é homenagem à médica italiana Gianna Beretta Molla, que escolheu manter uma gravidez de risco que culminou em sua morte, em 1962. Em maio de 2004, ela foi proclamada santa pelo papa João Paulo II, mas Kateri lembra que essa possibilidade não estava no horizonte dos Werlich quando escolheram o nome do movimento: “Eles simplesmente se encantaram com a história dela. O marido dela, Pietro Molla, mantinha contato com o movimento, por cartas”.

Mônica Tarantino e Luiza Villaméa

(Esta reportagem foi produzida com o apoio do edital Jornalismo Investigativo em Direitos Humanos, Aborto e Saúde Pública, uma parceria do Instituto Patrícia Galvão, Abraji e GHS)

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