Competência híbrida na Lei Maria da Penha dá substrato à efetiva ampliação, por Angelica de Maria Mello de Almeida

violencia domestica

Foto: Mídia Ninja

13 de outubro, 2022 Jota

Mato Grosso é o único estado da federação a adotar expressamente a competência híbrida

(Angelica de Maria Mello de Almeida/ Jota) A violência de gênero doméstica e familiar contra a mulher no estado de São Paulo é atribuição das 20 varas especializadas de violência doméstica e familiar e 10 anexos, órgãos jurisdicionais que devem contar com uma estrutura mínima para apreciar e julgar a violência de gênero contra a mulher, em ampla dimensão, em suas variadas formas — física, psicológica, patrimonial, sexual e moral —, e que devem dispor de equipe multidisciplinar própria e rede de atendimento, entre outros equipamentos.

Enquanto essas varas especializadas não estiverem instaladas em todas as comarcas, compete às varas criminais, em observância ao disposto no artigo 33, caput, da Lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha), a atribuição de apreciar e julgar a violência doméstica e familiar contra a mulher. Mas, para desempenhar tal encargo, as varas criminais ficam na dependência de parcerias com órgãos estaduais, municipais.

São conhecidos os entraves de natureza endógena e exógena, não propriamente de natureza processual, que fazem com que a competência cumulativa, cível e criminal, não tenha sido acolhida, em se tratando das Varas Especializadas de Violência Doméstica e Familiar e Anexos, como dispõe o artigo 14 da Lei Maria da Penha.

Na realidade, são obstáculos de outra natureza, muito mais relacionada à dificuldade de alterar e reverter a organização judiciária, estrutura muito sedimentada, resistente a inovações, ainda que constituam alterações previstas e asseguradas em legislação vigente, como é o caso da Lei Maria da Penha. Basta ter em conta que Mato Grosso é o único estado da federação a adotar expressamente a competência híbrida.

Entretanto, em que pese tal panorama, no âmbito da violência de gênero doméstica e familiar, em razão da própria organização judiciária estadual, há que ser reconhecida a existência de órgãos jurisdicionais em comarcas de menor porte e que exercem a jurisdição de forma ampla. Comarcas com Varas Únicas, em que o mesmo juízo concomitantemente cuida da questão criminal e das questões da guarda de filhos, divórcio, pensão alimentícia, partilha de bens etc.

São em número considerável no estado de São Paulo. Mais de 100 comarcas com Varas Únicas, unidades jurisdicionais, que atuam, no dia a dia, com competência híbrida, ou seja, competência cumulativa, cível e criminal. Um único juízo aprecia e julga a violência doméstica e familiar em toda a sua amplitude e extensão. Ainda que não conte com a estrutura necessária para tanto, prevista na Lei Maria da Penha, ao mesmo tempo que apura a responsabilidade penal do agressor, um único juízo aprecia as medidas protetivas de urgência e também conhece e julga os pedidos de separação, guarda de filhos e pensão alimentícia.

Ao exercer a competência ampla, por força da organização judiciária estadual, a atuação das Varas Únicas põe em dúvida os entraves, inclusive os de natureza endógena, a demonstrar que o fenômeno da violência de gênero doméstica e familiar contra a mulher pode e deve ser dirimido no âmbito do Poder Judiciário, tal como antevisto e previsto pela Lei Maria da Penha.

Trata-se de prestação jurisdicional que desafia a roupagem da argumentação acolhida pela Norma Técnica aprovada por unanimidade, pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 27 de agosto de 2021.

Há que ser admitido que a competência híbrida, em se tratando das Varas Únicas, ainda que de forma oblíqua, tem efetiva aplicação no dia a dia.

Ademais, trata-se de realidade que demonstra o contrassenso da coexistência de Varas Únicas com competência plena, nos termos do artigo 14 da Lei 11.340/06, e Varas Especializadas de Violência Doméstica e Familiar e Anexos, em princípio mais equipados e estruturados, mas atuando de forma restrita.

Trata-se de paradigma relevante, que demanda exame detido das reais consequências no acolhimento da mulher em risco de violência de gênero doméstica e familiar. Representa campo de pesquisa fértil a demonstrar a eficácia da competência híbrida para o enfrentamento da violência contra a mulher, como evidenciado pela atuação jurisdicional exitosa em algumas Comarcas / Varas Únicas do estado de São Paulo.

É tempo de repensar a organização judiciária, notadamente diante de um diploma legal que traz em seu contexto solução que pode atender com maior eficácia ao fenômeno social de complexidade e singularidade da violência de gênero contra a mulher, conquanto imbricado de ingredientes machistas, racistas e homofóbicos ainda tão arraigados e subjacentes em nossa sociedade.

A análise do desempenho das Varas Únicas no enfrentamento da violência de gênero contra a mulher pode ser um importante norte para que a competência híbrida possa ser acolhida de forma efetiva.

O número de feminicídios em nosso país, sem contar o volume enorme de casos conhecidos e julgados diariamente pelas nossas Varas Especializadas ou não, está a desfiar sejam aquilatadas sem demora formas de atuação do Poder Judiciário que evitem que a mulher em risco de violência doméstica e familiar passe a peregrinar por vários órgãos da Justiça, por vezes, instalados em locais diversos. A tramitação dos casos perante um único juízo, por certo, encurta o caminho para a solução das questões de violência de gênero doméstica e familiar.

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