E a igualdade de gênero na América Latina?, por Ricardo Aceves

25 de março, 2019

Apesar dos avanços, continua a existir uma grande disparidade entre os gêneros na região

(Folha de S.Paulo, 25/03/2019 – acesse no site de origem)

A América Latina está diante de um momento transcendental, em diversas frentes. Por um lado, as eleições nacionais do ano passado em seis países -entre os quais três dos maiores da região, Brasil, Colômbia e México- resultaram em reforma gradual no cenário político latino-americano. Em paralelo, a agenda econômica se tornou o foco dos esforços dos governos nacionais para combater os desequilíbrios, implementar reformas e promover crescimento mais robusto.

Como pano de fundo para tudo isso, movimentos feministas importantes vêm surgindo, há cerca de dois anos, como resultado de discussões acirradas sobre a violência machista e a igualdade de gêneros, com sérias implicações críticas, tanto no âmbito político quanto no econômico.

Nas últimas décadas, a maioria dos países da América Latina deu passos importantes e na direção certa para a redução da desigualdade de gêneros. Muitas mulheres ganharam espaço no mercado de trabalho e conquistaram mais acesso aos serviços de saúde. De acordo com dados da ONU, as mulheres latino-americanas têm hoje escolaridade superior à dos homens, bem como uma expectativa de vida mais alta, e sua participação política está crescendo.

Ainda assim, e apesar de todos esses avanços, continua a existir uma grande disparidade entre os gêneros na região, em diversas frentes. De acordo com o “Relatório Mundial sobre Disparidade de Gênero”, do Fórum Econômico Mundial, a América Latina precisa de pelo menos 80 anos para eliminar a disparidade de gênero existente, avaliada em cerca de 30%.

A região está pouco atrás da Europa Oriental, Ásia Central e América do Norte (no caso representada por Canadá e Estados Unidos), mas ainda distante da disparidade de 25% registrada na Europa Ocidental.

Esses números servem como claro lembrete de que as mulheres da América Latina representam 50% da população mas apenas 41% da força de trabalho, e que seus salários são em média 16% mais baixos que os dos homens. A isso devemos somar uma segregação ocupacional ainda muito alta, e o fato de que as realizações superiores das mulheres na educação não resultaram em melhor remuneração.

De fato, a disparidade salarial nos empregos mais qualificados fica em média em 26%, o que serve para bloquear o empoderamento econômico das mulheres.

No que tange à representação política, a disparidade continua a ser muito ampla. De acordo com dados da União Interparlamentar, a proporção de assentos legislativos ocupados por mulheres na América Latina é de apenas 29% do total, e em países como Belize, Haiti e o Paraguai, ela é ainda mais baixa (de entre 3% e 10%); já na Bolívia, Costa Rica e México, sua participação legislativa é muito mais elevada (de entre 45% e 53%).

Por outro lado, as eleições realizadas no ano passado não conduziram mulheres ao posto de chefe de Estado, o que contrasta com 2014, quando a região contava com o maior número de mulheres como chefes de Estado, na Argentina, Brasil, Chile e Costa Rica. Ao meu ver, as probabilidades de que isso volte a acontecer no futuro próximo são baixas.

É indiscutível que uma maior igualdade de gênero e uma participação mais forte das mulheres na vida política têm impacto amplo sobre o desenvolvimento, assim como repercussões econômicas, porque as duas coisas promovem uma maior estabilidade econômica e conduzem a um número maior de resultados democráticos.

Uma representação feminina maior nas câmaras altas e baixas dos legislativos nacionais também está vinculada a progressos maiores na reforma de legislação discriminatória e em maior investimento em serviços sociais e no bem-estar. De acordo com o Banco Mundial – no estudo “Potencial Não Realizado: O Alto Custo da Desigualdade de Renda entre os Gêneros” -, a desigualdade de gênero tem um custo mundial de US$ 160 bilhões, do qual US$ 6,7 bilhões podem ser atribuídos à disparidade de gênero na América Latina.

Portanto, uma das dimensões da igualdade de gêneros (a legal) resultará em uma maior participação das mulheres na força de trabalho, menor disparidade salarial e em presença maior das mulheres no Legislativo. Isso não significa que todos os demais problemas originados da desigualdade de gênero (violência, discriminação, direitos fundamentais, para mencionar apenas alguns) serão resolvidos, mas leis e políticas públicas podem, sim, impulsionar uma maior inclusão das mulheres.

Um exemplo disso vêm sendo as políticas de ação afirmativa (por exemplo cotas), que além de eliminar a discriminação legal ajudam a nivelar a competição entre homens e mulheres. De fato, a participação política das mulheres latino-americanas foi impulsionada em grande parte pela criação de cotas por gênero e leis de paridade eleitoral, das quais a Argentina foi pioneira em 1991.

Mesmo assim, é importante ressaltar que, embora essas leis tenham contribuído para criar mais espaço para as mulheres, em muitos casos elas não são suficientes.

É inegável que as oportunidades cresceram, para as mulheres da América Latina, e que as medidas tomadas avançam na direção certa – se bem que muito lentamente. Mas falta fazer mais. Diante de tamanhas provas de que o empoderamento feminino é crucial para remover a disparidade entre os gêneros (o que é essencial para o crescimento econômico em geral), simplesmente nos resta esperar que, com tanta coisa em jogo no campo político e no campo econômico latino-americanos, impulsionar a paridade de gêneros tenha lugar importante na agenda.

Ricardo Aceves é um economista mexicano especializado em temas macroeconômicos latino-americanos, e trabalha como analista de riscos na agência de classificação de crédito CRIF Ratings. Anteriormente trabalhou como economista sênior para a América Latina na consultoria FocusEconomics, para a qual coordenava o relatório de perspectivas econômicas Latin Focus.

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