(Lyalete/Emanuelle Goes) Após um desastre natural, em Moçambique, áreas afetadas pelo ciclone Idai, prejudicou as mulheres no acesso aos serviços de saúde, com a indisponibilidade de serviços de cuidados contraceptivos e pós-aborto que persistiram, mesmo quando a situação estabilizou. Nos Estados Unidos, na região do Golfo do Texas, o furacão Ike comprometeu a saúde sexual e reprodutiva de mulheres e meninas, pois, não conseguiam acesso aos serviços e métodos contraceptivos, sendo as mulheres negras, as mais prejudicadas quando comparadas com as brancas.
No Brasil, na ilha de São Luís, um estudo evidencia que mulheres sofrem abortos espontâneos em decorrência da poluição do ar. As temperaturas extremas têm impactado as gestantes e os recém-nascidos e estas estão cada vez mais sendo reconhecidas como populações vulneráveis no contexto das mudanças climáticas. Poderíamos elencar muitas situações em que mulheres e meninas são as mais prejudicadas e tem os seus direitos negligenciados quando vivemos situações de crises climáticas, pandemias, crises econômicas e humanitárias. Chamamos de tirania do urgente, quando a priorização das ações diante das crises não coloca no centro os direitos humanos baseados em gêneros, raça e sexualidades, assim como suprimem serviços já garantidos anteriormente, como o fechamento de serviços de aborto legal, serviços de enfrentamento a violência contra as mulheres, a baixa oferta de insumos para IST/HIV/Aids, contraceptivos, entre outras coisas.
A falta de oferta de serviços relacionados a saúde sexual e reprodutiva, assim como as violências de gênero são adensadas nesses contextos. Durante a pandemia foi demonstrado o aumento significativo de notificações de violências contra as mulheres em inúmeros países e os casos de feminicídio. Diante dos desastres climáticos, as mulheres realizam migração, porque vivem, na maioria das situações, em lugares onde chamam de subnormal, local onde ninguém deveria morar e são esses os locais mais atingidos pelos desastres climáticos. Essa migração forçada coloca as mulheres e meninas expostas as violências de gênero, entre as principais as violências sexuais, físicas e psicológicas.
O que vivem as mulheres é a reação em cadeia gerada pelas mudanças climáticas. Poderíamos relembrar a epidemia do Zika Vírus, uma arbovirose que impacta a saúde ambiental relacionada ao saneamento básico precário, mas também é uma infecção sexualmente transmissível e transmitido da gestante para o feto (transmissão vertical) podendo levar a Síndrome Congênita da Zika. A situação previa de desigualdades e de injustiças geradas pelo sistema racista patriarcal fazem com que mulheres e meninas negras, indígenas, do Norte e Nordeste brasileiro sejam as mesmas que vivenciam um estado de ausência de direitos básicos como acesso a água, esgotamento sanitário e coleta de lixo adequado, e tenham dificuldade no acesso a serviços de saúde sexual e reprodutiva, não conseguindo planejar a sua reprodução e construir famílias quando desejam. Foram essas mulheres as mais atingidas pela epidemia do Zika Vírus.
Diante disso, entende-se que as mudanças climáticas é uma questão de justiça reprodutiva porque reconhece o racismo e suas manifestações na intersecção com as opressões correlatas. Que para a garantia da boa saúde é preciso o bem-estar físico, espiritual, político, econômico e social, mas é também fundamental promover condições sociais (justiça social) como questões ligadas a moradia, acesso a água potável, segurança alimentar.
São mulheres negras, indígenas e de comunidades tradicionais, assim como pessoas de orientação sexual, identidade e/ou expressão de gênero sub-representadas, pessoas das margens, das periferias do mundo, as mais atingidas pelas crises humanitárias e desastres ambientais, no entanto são elas, as que trazem a solução e que devem estar no centro para adaptação dos tempos que vivemos em mudanças, mas para isso é preciso que seus direitos sejam reservados, antes de tudo, com justiça.
Uma comunidade saudável, um estado pleno de direitos, para exercer os direitos sexuais e reprodutivos com autonomia e autodeterminação.
Emanuelle F. Goes é Pós-Doc (CIDACS/Fiocruz/Bahia) realizando estudos com Big Data (grandes bancos de dados), Fellow do Ubuntu Center on Racism, Global Movements & Population Health Equity (Drexel University Dornsife School of Public Health/EUA).
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