A presença negra que cresce e fica mais visível gera medo e se torna alvo da violência
(Folha de S.Paulo, 12/12/2019 – acesse no site de origem)
Nesta semana em que se comemora o Dia Internacional dos Direitos Humanos, a forte mobilização social da sociedade civil na luta pela manutenção e pela ampliação de seus direitos e conquistas vem acompanhada do medo e de respostas institucionais de extrema violência.
Um exemplo é, de um lado, o Mês da Consciência Negra, marcado por vibrante profusão de iniciativas por todo o país, em áreas tais como a literatura, com debates e lançamento de livros e revistas, a dramaturgia, com belíssimas peças fazendo releituras do Brasil, a dança e os cantos, na comunicação digital com coletivos jovens e periféricos trazendo novos conteúdos e formas e na intensificação do debate sobre feminismos negros.
Debates e iniciativas focaram o SUS enquanto estrutura fundamental para a qualidade de vida da população pobre e negra, bem como a permanência deles nas universidades e a entrada qualificada no trabalho.
Igualmente o empreendedorismo como resposta criativa, e não só precarizada, à exclusão no trabalho. Instituições pressionadas pelo movimento negro vêm fazendo diagnósticos e buscando formas de serem mais equânimes.
Em todos os cantos do país, os ventos de novas perspectivas sociais, econômicas e políticas são assuntos inevitáveis.
De outro lado, chega também a indignação e o horror ante a violência extrema que se intensifica e que explodiu no massacre em Paraisópolis: um ataque frontal aos direitos humanos da juventude.
A presença negra que cresce e fica mais visível gera medo e se torna alvo da violência. Esse é um tema central da “Coalizão Negra por Direitos”, coletivo que reúne dezenas de organizações negras e que protagoniza nacional e internacionalmente iniciativas visando mudar essa realidade.
“Onda Negra, Medo Branco”
Tentando resolver o problema de “um ameaçador país, majoritariamente negro”, a elite branca brasileira, do fim do século retrasado, se perguntava: “O que fazer com o negro?”.
Célia Marinho de Azevedo destaca essa situação em seu livro “Onda Negra, Medo Branco”: “Toda uma série de brancos ou esfolados bem-nascidos e bem-pensantes que, durante todo o século 19, realmente temeram acabar sendo tragados pelos negros malnascidos e mal pensantes…”.
No livro “O Espetáculo das Raças”, Lilia Moritz Schwarcz ressalta o Censo de 1872, no qual negros eram 55% dos brasileiros, o que era um problema para cientistas da época. Eles tinham de contar a história de um Brasil majoritariamente negro e mestiço, nascido e prosperado sob o sistema de escravidão negra, e, ao mesmo tempo, manter-se próximo aos modelos europeus de civilização que consideravam negros não civilizados e não civilizáveis.
No documento “Estrutura Social para o Brasil Moderno e Democrático no Século 21”, da Escola Superior de Guerra, Dennis de Oliveira aponta a preocupação com o fato de que, em algumas décadas, o Brasil seria majoritariamente negro, a exclusão social e a miséria aumentariam, criando conflitos e arriscando a estabilização social, e que “Executivo, Legislativo e Judiciário poderão pedir o concurso das Forças Armadas para neutralizar essa orla de bandidos, matá-los e destruí-los”.
Esse medo da maioria negra que sempre aparece na história do Brasil e gera violência pode vir da consciência que muitos brasileiros têm de que, dos pouco mais de 500 anos de história, quase 400 foram de escravidão negra. Nesse tempo, trabalho “era coisa de preto”, e as riquezas geradas nesse período não ficaram com a população negra.
Assim é que negras e negros são os credores que incomodam.
Por Cida Bento