Famoso por ser o mês em que a medicina celebra e reforça a importância da prevenção do câncer de mama no mundo inteiro, de alguns anos para cá o Outubro Rosa passou a ser a marca também para a prevenção de outro tipo de câncer que atinge milhões de mulheres no mundo inteiro: o câncer de colo do útero. Por isso começamos a semana, às vésperas do início de outubro, publicando um artigo auspicioso de cientistas brasileiros com um estudo que mostra a consolidadação do sucesso da vacina contra o HPV na prevenção do câncer de colo de útero no país. Uma eficiência que se comprova em números cada vez mais consistentes, pouco antes de a vacina completar 20 anos de existência. Mas números que ainda têm muito a melhorar, especialmente entre as camadas de baixa renda e por conta dos efeitos deletérios dos recentes movimentos antivacina que acometem o Brasil e o mundo.
O câncer de colo do útero é uma doença evitável, mas ainda é o quarto câncer mais comum entre as mulheres, afetando principalmente a população de países de baixa e média renda. Por ser causado quase exclusivamente pelo vírus HPV (papilomavírus humano), a vacina contra o vírus é, também, contra este câncer.
A primeira vacina contra o HPV, aprovada em 2006, demonstrou grande sucesso na prevenção do câncer do colo do útero em países de alta renda, reduzindo em até 90% a incidência desse câncer. Apesar desse sucesso, o acesso à vacina ainda é bastante restrito em países pobres. Em 2023, enquanto 95% dos países ricos já contavam com programas nacionais de vacinação, essa proporção era apenas 45% dos países pobres. Entre eles, o Brasil, que oferece a vacina gratuitamente desde março de 2014.
O programa brasileiro teve sucesso notável na ocasião do seu lançamento, com alta adesão e cobertura próxima de 100% para as meninas. No entanto, campanhas intensas de desinformação minaram a confiança pública, refletindo na queda da cobertura vacinal. Em 2022, apenas 75% das meninas e metade dos meninos foram vacinados contra HPV..
A vacinação contra o HPV no Brasil tem como público prioritário meninas e meninos de 9 a 14 anos, que desde 2024 recebem apenas uma dose, considerada suficiente para garantir proteção. Em caráter excepcional, o Ministério da Saúde ampliou até dezembro de 2025 o acesso para adolescentes de 15 a 19 anos que não se vacinaram na idade indicada.
Além disso, a vacina está disponível pelo SUS para homens e mulheres imunossuprimidos — como pessoas vivendo com HIV, transplantados e pacientes oncológicos — dos 9 aos 45 anos, bem como para vítimas de violência sexual entre 15 e 45 anos e usuários de Profilaxia Pré-Exposição (PrEP) contra o HIV que não completaram o esquema vacinal. A proteção é mais eficaz quando aplicada precocemente, entre 9 e 14 anos, e a imunização é a medida mais segura e efetiva para prevenir a infecção pelo HPV.
O impacto da vacina em países de baixa renda
Até agora, quase todas as evidências vinham de países ricos, em contextos muito diferentes em termos de acesso à saúde, prevalência de infecção pelo HPV e vulnerabilidades sociais. Recentemente, porém, novo estudo feito por um grupo de pesquisadores de que faço parte apresentou as primeiras evidências do impacto da inclusão da vacina contra HPV no Brasil. O estudo avaliou o impacto da vacinação após uma década de implementação no programa nacional de imunização, publicado na revista The Lancet Global Health.
Para medir o efeito da vacinação contra HPV, analisamos os dados nacionais do Sistema Único de Saúde de mulheres com 20 a 24 anos, entre os anos de 2019 e 2023. Comparamos as taxas de câncer do grupo de mulheres que não era elegível para a vacina em 2014 (nascidas entre 1994 e 1998) com o grupo mais jovem, que foi totalmente elegível (nascidas entre 2001 e 2003).
Nós avaliamos 1.318 casos de câncer de colo do útero e 2.132 casos de lesões que antecedem esse câncer (Neoplasia Intraepitelial Cervical grau 3: NIC3). Em comparação com o grupo não vacinado, o grupo elegível para vacinação apresentou uma redução de 58% nos casos de câncer de colo do útero e de 67% nos casos de NIC3.
Para ter certeza de que a responsável pela redução dos casos de câncer de colo do útero era a vacina e de que outros fatores não teriam promovido essa queda, nosso grupo de pesquisadores usou dois controles importantes. Analisamos um grupo de mulheres que por pouco não foi elegível para a vacina (nascidas em 1999) e também comparamos taxas de câncer de mama nos grupos vacinados e não vacinados, já que a vacina contra HPV não afeta o risco de câncer de mama.
Como esperado, as mulheres nascidas em 1999 não apresentaram redução quando comparadas ao grupo nascido entre 1994 e 1998. O grupo vacinado não mostrou redução no número de casos de câncer de mama. Essas análises garantem maior confiança na validade dos resultados que encontramos.